Visto como um jornada pessoal do diretor Kenneth Branagh de volta ao seu passado na Irlanda, Belfast acompanha o dia-a-dia do jovem Buddy (Jude Hill), um menino vindo de uma família protestante de classe trabalhadora que tenta viver uma vida normal em meio ao conturbado fim dos Anos 60 no país. Com uma trama bastante voltada ao núcleo familiar, o filme não finge ser mais do que esse simples relato. Com diversos elementos históricos em seu fundo, sua trama acompanha essa família enquanto ela lida com os problemas de sua época e de dentro de seu próprio núcleo, e na maneira como esses problemas afetam o jovem garoto.

A simplicidade de Belfast trabalha completamente em favor do filme. Onde alguém poderia desenvolver uma história heroica e cheia de exageros (e conhecendo os últimos trabalhos do diretor, isso seria bem provável), Branagh opta por um conto do cotidiano, no qual todos os principais conflitos são bastante caseiros, acompanhando as mudanças na vida do jovem garoto enquanto seu pai (Jamie Dorman) trabalha arduamente em um emprego que o mantém afastado de casa por longos períodos de tempo, e sua mãe (Caitriona Balfe) tenta manter seus filhos e sua comunidade seguros e estáveis. E, em meio a essas aventuras do dia-a-dia, o filme se torna extremamente singelo e fornece bastante material para seu público pensar a respeito.

Histórias simples sobre o dia-a-dia não são uma novidade no cinema, e Belfast não se propõe a revolucionar seus gêneros cinematográficos. Contudo, a visão extremamente intimista de Branagh coloca um peso especial na trama, reforçando aspectos importantes da vida de Buddy como se aqueles fossem os momentos marcantes da infância do diretor sobre os quais ele se dispõe a refletir. Isso dá ao filme um toque bastante centrado no ponto de vista de seu realizador, o qual a trama não pretende disfarçar. E é essa autorreflexão que carrega a principal força do firme, pois garante que essa história bastante casual possua elementos extremamente fortes de reflexão ao longo de todo o seu andamento.
Assim, o filme possui diversos debates sobre temas variados, como conflitos religiosos e a superação dessas diferenças, envelhecimento, necessidade de se mudar vs. A perda de toda a vida anterior, comunidade local, ensinamentos familiares. São vários os temas que Branagh se dispõe a discutir sem colocar sua opinião pessoal como a certa e permitindo ao público debater consigo mesmo sobre esses elementos.
No restante, Belfast é um filme bastante agradável e singelo, que conta com atuações bastante sólidas de seu elenco principal e que segue a vida de um rapaz simples em meio a tempos conturbados. Jude Hill brilha como a estrela infantil, mas mesmo sendo o personagem central, é difícil dizer que ele seria o protagonista, visto que todos os eventos do filme o circundam e são afetados por outras pessoas, em especial os seus pais, e não por ele. Sua visão central é importante para estabelecer o olhar de uma criança diante das intensas mudanças que ocorriam no período, mas, como é até comum em filmes mais independentes desse tipo, Buddy não é um agente sobre os eventos do filme, sendo apenas afetado por ele e dando ao público sua visão inocente sobre esses acontecimentos.

Belfast é uma grande história que se apoia em sua simplicidade. Sua narrativa, contudo, não é espetacular e mantém diversos padrões já utilizados por filmes com temáticas semelhantes: a visão da criança como foco central, o conflito dos pais por causa do trabalho, a presença dos avós (Judi Dench e Ciarán Hinds, ambos em atuações maravilhosas) como figuras acolhedoras quando o lar do garoto passa por problemas, as transformações extremas na comunidade que forçam a família a se adaptar e buscar novas alternativas. A própria maneira como o filme lida com essas questões não é inovadora. Já o olhar intimista de Branagh oferece um charme bastante acolhedor e torna a história bastante especial, mesmo que não seja única.

Concorrendo a sete Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, Belfast é um filme muito bem realizado e bastante envolvente. Contudo, certamente não é o filme mais chamativo dessa temporada, e a própria quantidade de indicações parece exagerada demais (algo que pode ser justificado pela presença, no filme, de diversas referências e homenagens ao cinema hollywoodiano dos anos 50 e 60, algo que a Academia certamente reconheceu). Mas mesmo não sendo a grande surpresa do ano, o filme ainda possui algo de extremamente essencial: uma história comovente e personagens carismáticos que comovem o espectador e o fazem se entregar aos momentos passados no cinema.
Belfast estreou nos cinemas brasileiros no dia 10 de março.