Crítica

Crítica

O Baile das Loucas: um drama sobre espiritualidade e injustiças

18/9/2021

O Baile das Loucas introduz uma discussão interessante ao retratar os abusos sofridos por uma jovem em um hospício parisiense em finais do século XIX, e mergulha com profundidade e atenção em temas de justiça e espiritualidade.

escrito por
Luis Henrique Franco

O Baile das Loucas introduz uma discussão interessante ao retratar os abusos sofridos por uma jovem em um hospício parisiense em finais do século XIX, e mergulha com profundidade e atenção em temas de justiça e espiritualidade.

escrito por
Luis Henrique Franco
18/9/2021

Na Paris do final do século XIX, a jovem Eugénie (Lou de Laâge) é levada por sua família para o hospício feminino de La Salpêtrière. A acusação contra ela é de histeria e alucinações, após ela afirmar que consegue se comunicar com espíritos. Presa lá dentro, Eugénie tenta sobreviver aos abusos cometidos pelos médicos e enfermeiras, enquanto desenvolve relações com as outras pacientes e com a enfermeira Geneviève (Mélanie Laurent), que acredita nos dons espirituais da garota e se dispõe a ajudá-la.

Como filme de época, O Baile das Loucas oferece uma visão bastante crítica e profunda sobre o tratamento dado a mulheres no final do século XIX. Mesmo antes de sua internação, Eugénie se mostra como uma mulher culta, que gosta de ler e frequentar cafés e que tem opiniões bastante fortes sobre os hábitos da época. Isso faz com que ela constantemente receba críticas de seu pai, que a vê como uma humilhação para a família e para o seu nome. Uma vez dentro do hospício, a situação não melhora, visto que Eugénie se torna alvo de médicos que a submetem a tratamentos torturantes toda vez que ela ousa desafiá-los.

Eugénie sentada em uma das camas do dormitório do hospício

A partir do momento da internação, o filme se torna um estudo bastante dramático e cuidadoso sobre a situação das internas. Usando Eugénie como nossos olhos, ele mostra o estado deplorável das mulheres lá dentro, as técnicas abusivas com as quais suas "histerias" eram tratadas e o oportunismo dos médicos e enfermeiras para com pacientes que não tinham como se defender. Da maneira como o roteiro é construído, somos levados a sentir cada vez mais as injustiças que recaem sobre a protagonista e todas as suas companheiras, usadas de cobaias em experimentos humilhantes e terríveis, como as exibições de hipnose feitas pelo doutor Charcot (figura histórica famosa da época interpretada no filme por Grégoire Bonnet), e isoladas do restante do mundo.

Dr. Charcot em seu escritório, analisando os relatórios das pacientes.

De uma forma magnífica, o filme traz esse lado social sem, contudo, criar situações extremamente exageradas para isso. Com um ritmo lento e dado mais à contemplação, o longa pode parecer estranho a um público acostumado com o cinema estadunidense, que costuma tratar momentos de tensão com grandes gritarias e grandes explosões dramáticas. Mas é justamente por não criar essas situações que O Baile das Loucas deixa todo o seu contexto muito mais terrível. Quando tem que mostrar uma situação de horror e tensão, o longa se submete a um certo "silêncio" que dá ao público uma agonia muito maior e o força a refletir sobre a situação de uma maneira muito mais intensa e subjetiva.

Junto com a trama social, porém, o filme constrói uma história muito bela sobre amizade, confiança e espiritualidade através da relação entre Eugénie e Geneviève. O que começa como uma relação entre enfermeira e paciente, com Geneviève detendo um poder sobre Eugénie que a faz ignorar os clamores da moça, logo vai se transformando em algo mais profundo e complexo quando Eugénie, usando seus dons espirituais, consegue falar com alguém do passado de Geneviève. Tocada pelas coisas ditas pela paciente, a enfermeira vai lentamente percebendo sua inteligência e bondade, o que a leva a ajudá-la em sua estadia no hospício e a planejar sua fuga ao lado do irmão de Eugénie, Théophile (Benjamin Voisin).

A enfermeira Geneviève interroga uma das pacientes no dormitório.

O lado espiritual que o filme se propõe pode parecer arriscado dentro de um filme que já traz em si uma análise social e um drama de hospício. Tão arriscado que, para aqueles mais céticos, pode parecer um pouco forçado que momentos importantes da trama dependam dessa conexão da protagonista com espíritos de pessoas mortas. Mas, apesar da importância do tema para a construção da história, sua exploração é feita sem exageros e sua presença é sutil, mesmo que importante. Nesse sentido, O Baile das Loucas se beneficia novamente de seu ritmo mais lento e contemplativo, sem cair em exageros e permitindo que todos os seus temas se estabeleçam com calma e firmeza na narrativa.

Dessa forma, por ser tratada com gentileza, a espiritualidade de Eugénie com espíritos não soa como algo inverossímil, mas sim como um detalhe importante e possível, mesmo para aqueles que não acreditam nessas coisas. E nesse ponto, é excelente que o filme nunca caia na armadilha de mostrar os espíritos, deixando-os como algo que apenas a protagonista vê e que os demais personagens escolhem acreditar ou não. O fato de que Eugénie vê espíritos não é colocado em dúvida pelo filme, mas também nunca se torna o seu tema ou a sua discussão principal. E é ao tratar a temática com sutileza e não com imposição que o filme cria uma condição perfeita para a reflexão do público sobre o assunto.

Geneviève fiscaliza a preparação para o baile anual do hospício.

O Baile das Loucas é uma nova produção da Amazon Prime Video, que se vale de sua sutileza e de seu cuidado na construção de seus temas para criar uma história bastante envolvente e que, mesmo com um ritmo lento, é capaz de agradar e comover o público. Uma obra que traz um retrato extremamente visceral de uma época horrível que, de uma maneira triste, ainda parece bem atual.

Eugénie e as outras pacientes se juntam à espera do começo do baile anual.
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O Baile das Loucas

O Baile das Loucas

Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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O Baile das Loucas introduz uma discussão interessante ao retratar os abusos sofridos por uma jovem em um hospício parisiense em finais do século XIX, e mergulha com profundidade e atenção em temas de justiça e espiritualidade.

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Luis Henrique Franco
18/9/2021

Na Paris do final do século XIX, a jovem Eugénie (Lou de Laâge) é levada por sua família para o hospício feminino de La Salpêtrière. A acusação contra ela é de histeria e alucinações, após ela afirmar que consegue se comunicar com espíritos. Presa lá dentro, Eugénie tenta sobreviver aos abusos cometidos pelos médicos e enfermeiras, enquanto desenvolve relações com as outras pacientes e com a enfermeira Geneviève (Mélanie Laurent), que acredita nos dons espirituais da garota e se dispõe a ajudá-la.

Como filme de época, O Baile das Loucas oferece uma visão bastante crítica e profunda sobre o tratamento dado a mulheres no final do século XIX. Mesmo antes de sua internação, Eugénie se mostra como uma mulher culta, que gosta de ler e frequentar cafés e que tem opiniões bastante fortes sobre os hábitos da época. Isso faz com que ela constantemente receba críticas de seu pai, que a vê como uma humilhação para a família e para o seu nome. Uma vez dentro do hospício, a situação não melhora, visto que Eugénie se torna alvo de médicos que a submetem a tratamentos torturantes toda vez que ela ousa desafiá-los.

Eugénie sentada em uma das camas do dormitório do hospício

A partir do momento da internação, o filme se torna um estudo bastante dramático e cuidadoso sobre a situação das internas. Usando Eugénie como nossos olhos, ele mostra o estado deplorável das mulheres lá dentro, as técnicas abusivas com as quais suas "histerias" eram tratadas e o oportunismo dos médicos e enfermeiras para com pacientes que não tinham como se defender. Da maneira como o roteiro é construído, somos levados a sentir cada vez mais as injustiças que recaem sobre a protagonista e todas as suas companheiras, usadas de cobaias em experimentos humilhantes e terríveis, como as exibições de hipnose feitas pelo doutor Charcot (figura histórica famosa da época interpretada no filme por Grégoire Bonnet), e isoladas do restante do mundo.

Dr. Charcot em seu escritório, analisando os relatórios das pacientes.

De uma forma magnífica, o filme traz esse lado social sem, contudo, criar situações extremamente exageradas para isso. Com um ritmo lento e dado mais à contemplação, o longa pode parecer estranho a um público acostumado com o cinema estadunidense, que costuma tratar momentos de tensão com grandes gritarias e grandes explosões dramáticas. Mas é justamente por não criar essas situações que O Baile das Loucas deixa todo o seu contexto muito mais terrível. Quando tem que mostrar uma situação de horror e tensão, o longa se submete a um certo "silêncio" que dá ao público uma agonia muito maior e o força a refletir sobre a situação de uma maneira muito mais intensa e subjetiva.

Junto com a trama social, porém, o filme constrói uma história muito bela sobre amizade, confiança e espiritualidade através da relação entre Eugénie e Geneviève. O que começa como uma relação entre enfermeira e paciente, com Geneviève detendo um poder sobre Eugénie que a faz ignorar os clamores da moça, logo vai se transformando em algo mais profundo e complexo quando Eugénie, usando seus dons espirituais, consegue falar com alguém do passado de Geneviève. Tocada pelas coisas ditas pela paciente, a enfermeira vai lentamente percebendo sua inteligência e bondade, o que a leva a ajudá-la em sua estadia no hospício e a planejar sua fuga ao lado do irmão de Eugénie, Théophile (Benjamin Voisin).

A enfermeira Geneviève interroga uma das pacientes no dormitório.

O lado espiritual que o filme se propõe pode parecer arriscado dentro de um filme que já traz em si uma análise social e um drama de hospício. Tão arriscado que, para aqueles mais céticos, pode parecer um pouco forçado que momentos importantes da trama dependam dessa conexão da protagonista com espíritos de pessoas mortas. Mas, apesar da importância do tema para a construção da história, sua exploração é feita sem exageros e sua presença é sutil, mesmo que importante. Nesse sentido, O Baile das Loucas se beneficia novamente de seu ritmo mais lento e contemplativo, sem cair em exageros e permitindo que todos os seus temas se estabeleçam com calma e firmeza na narrativa.

Dessa forma, por ser tratada com gentileza, a espiritualidade de Eugénie com espíritos não soa como algo inverossímil, mas sim como um detalhe importante e possível, mesmo para aqueles que não acreditam nessas coisas. E nesse ponto, é excelente que o filme nunca caia na armadilha de mostrar os espíritos, deixando-os como algo que apenas a protagonista vê e que os demais personagens escolhem acreditar ou não. O fato de que Eugénie vê espíritos não é colocado em dúvida pelo filme, mas também nunca se torna o seu tema ou a sua discussão principal. E é ao tratar a temática com sutileza e não com imposição que o filme cria uma condição perfeita para a reflexão do público sobre o assunto.

Geneviève fiscaliza a preparação para o baile anual do hospício.

O Baile das Loucas é uma nova produção da Amazon Prime Video, que se vale de sua sutileza e de seu cuidado na construção de seus temas para criar uma história bastante envolvente e que, mesmo com um ritmo lento, é capaz de agradar e comover o público. Uma obra que traz um retrato extremamente visceral de uma época horrível que, de uma maneira triste, ainda parece bem atual.

Eugénie e as outras pacientes se juntam à espera do começo do baile anual.

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Crítica

O Baile das Loucas introduz uma discussão interessante ao retratar os abusos sofridos por uma jovem em um hospício parisiense em finais do século XIX, e mergulha com profundidade e atenção em temas de justiça e espiritualidade.

escrito por
Luis Henrique Franco
18/9/2021
nascimento

O Baile das Loucas introduz uma discussão interessante ao retratar os abusos sofridos por uma jovem em um hospício parisiense em finais do século XIX, e mergulha com profundidade e atenção em temas de justiça e espiritualidade.

escrito por
Luis Henrique Franco
18/9/2021

Na Paris do final do século XIX, a jovem Eugénie (Lou de Laâge) é levada por sua família para o hospício feminino de La Salpêtrière. A acusação contra ela é de histeria e alucinações, após ela afirmar que consegue se comunicar com espíritos. Presa lá dentro, Eugénie tenta sobreviver aos abusos cometidos pelos médicos e enfermeiras, enquanto desenvolve relações com as outras pacientes e com a enfermeira Geneviève (Mélanie Laurent), que acredita nos dons espirituais da garota e se dispõe a ajudá-la.

Como filme de época, O Baile das Loucas oferece uma visão bastante crítica e profunda sobre o tratamento dado a mulheres no final do século XIX. Mesmo antes de sua internação, Eugénie se mostra como uma mulher culta, que gosta de ler e frequentar cafés e que tem opiniões bastante fortes sobre os hábitos da época. Isso faz com que ela constantemente receba críticas de seu pai, que a vê como uma humilhação para a família e para o seu nome. Uma vez dentro do hospício, a situação não melhora, visto que Eugénie se torna alvo de médicos que a submetem a tratamentos torturantes toda vez que ela ousa desafiá-los.

Eugénie sentada em uma das camas do dormitório do hospício

A partir do momento da internação, o filme se torna um estudo bastante dramático e cuidadoso sobre a situação das internas. Usando Eugénie como nossos olhos, ele mostra o estado deplorável das mulheres lá dentro, as técnicas abusivas com as quais suas "histerias" eram tratadas e o oportunismo dos médicos e enfermeiras para com pacientes que não tinham como se defender. Da maneira como o roteiro é construído, somos levados a sentir cada vez mais as injustiças que recaem sobre a protagonista e todas as suas companheiras, usadas de cobaias em experimentos humilhantes e terríveis, como as exibições de hipnose feitas pelo doutor Charcot (figura histórica famosa da época interpretada no filme por Grégoire Bonnet), e isoladas do restante do mundo.

Dr. Charcot em seu escritório, analisando os relatórios das pacientes.

De uma forma magnífica, o filme traz esse lado social sem, contudo, criar situações extremamente exageradas para isso. Com um ritmo lento e dado mais à contemplação, o longa pode parecer estranho a um público acostumado com o cinema estadunidense, que costuma tratar momentos de tensão com grandes gritarias e grandes explosões dramáticas. Mas é justamente por não criar essas situações que O Baile das Loucas deixa todo o seu contexto muito mais terrível. Quando tem que mostrar uma situação de horror e tensão, o longa se submete a um certo "silêncio" que dá ao público uma agonia muito maior e o força a refletir sobre a situação de uma maneira muito mais intensa e subjetiva.

Junto com a trama social, porém, o filme constrói uma história muito bela sobre amizade, confiança e espiritualidade através da relação entre Eugénie e Geneviève. O que começa como uma relação entre enfermeira e paciente, com Geneviève detendo um poder sobre Eugénie que a faz ignorar os clamores da moça, logo vai se transformando em algo mais profundo e complexo quando Eugénie, usando seus dons espirituais, consegue falar com alguém do passado de Geneviève. Tocada pelas coisas ditas pela paciente, a enfermeira vai lentamente percebendo sua inteligência e bondade, o que a leva a ajudá-la em sua estadia no hospício e a planejar sua fuga ao lado do irmão de Eugénie, Théophile (Benjamin Voisin).

A enfermeira Geneviève interroga uma das pacientes no dormitório.

O lado espiritual que o filme se propõe pode parecer arriscado dentro de um filme que já traz em si uma análise social e um drama de hospício. Tão arriscado que, para aqueles mais céticos, pode parecer um pouco forçado que momentos importantes da trama dependam dessa conexão da protagonista com espíritos de pessoas mortas. Mas, apesar da importância do tema para a construção da história, sua exploração é feita sem exageros e sua presença é sutil, mesmo que importante. Nesse sentido, O Baile das Loucas se beneficia novamente de seu ritmo mais lento e contemplativo, sem cair em exageros e permitindo que todos os seus temas se estabeleçam com calma e firmeza na narrativa.

Dessa forma, por ser tratada com gentileza, a espiritualidade de Eugénie com espíritos não soa como algo inverossímil, mas sim como um detalhe importante e possível, mesmo para aqueles que não acreditam nessas coisas. E nesse ponto, é excelente que o filme nunca caia na armadilha de mostrar os espíritos, deixando-os como algo que apenas a protagonista vê e que os demais personagens escolhem acreditar ou não. O fato de que Eugénie vê espíritos não é colocado em dúvida pelo filme, mas também nunca se torna o seu tema ou a sua discussão principal. E é ao tratar a temática com sutileza e não com imposição que o filme cria uma condição perfeita para a reflexão do público sobre o assunto.

Geneviève fiscaliza a preparação para o baile anual do hospício.

O Baile das Loucas é uma nova produção da Amazon Prime Video, que se vale de sua sutileza e de seu cuidado na construção de seus temas para criar uma história bastante envolvente e que, mesmo com um ritmo lento, é capaz de agradar e comover o público. Uma obra que traz um retrato extremamente visceral de uma época horrível que, de uma maneira triste, ainda parece bem atual.

Eugénie e as outras pacientes se juntam à espera do começo do baile anual.

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