No items found.

Análise & Opinião

Análise & Opinião

Opinião: que tipo de fan service nós queremos?

15/5/2022

Quando o fan service se torna parte constante dos novos filmes lançados, nos deparamos com dois tipos muito específicos: uma homenagem que nada acrescenta, e uma que trabalha os elementos do filme e o enriquece.

escrito por
Luis Henrique Franco

Quando o fan service se torna parte constante dos novos filmes lançados, nos deparamos com dois tipos muito específicos: uma homenagem que nada acrescenta, e uma que trabalha os elementos do filme e o enriquece.

escrito por
Luis Henrique Franco
15/5/2022

AVISO: ESSE TEXTO CONTERÁ SPOILERS DE DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA. SE VOCÊ NÃO VIU O FILME AINDA, É RECOMENDÁVEL RETORNAR AO TEXTO DEPOIS DE TÊ-LO ASSISTIDO.

Fan Service é um fenômeno curioso. Com uma premissa simples, ele consiste em colocar dentro de alguma obra atual elementos de produções mais antigas, algo que os fãs dessa peça mais velha consigam reconhecer e que ativa um sentimento nostálgico neles. Extremamente presente nos dias atuais, em que grandes franquias dominam o cinema, essa técnica serve como instrumento para atrair pessoas para um filme, em especial um remake ou uma sequência tardia de uma produção de vinte, trinta ou mesmo quarenta anos atrás.

Na grande maioria dos casos, o fan service não é um elemento essencial dos filmes, e exerce muito pouca influência na história e na recepção do mesmo pelo público. Passado o momento de alegria momentâneo, a colocação de um elemento nostálgico não leva um filme a ser melhor ou pior, a menos que venha em uma quantidade tão grande que acabe sendo impossível desconsiderá-la. Assumindo a forma de easter-eggs e surpresas, são elementos divertidos de se caçar nos filmes de uma era dominada pelas franquias, na qual a maioria das produções é um remake ou continuação de algo já lançado no passado, e assumem a forma de objetos dos filmes clássicos, falas, temas musicais ou mesmo a presença dos atores do original em algum papel menor ou sem importância.

Contudo, da mesma maneira como o cinema evolui, o fan service também passa por mudanças, e, no momento atual, grandes universos cinematográficos, em especial o dos super-heróis, adotam um novo modo de homenagem que consiste em elementos mais fortes e que influenciam mais a trama do filme. Tomemos como exemplo a Marvel, que, com base na premissa de construir o seu multiverso, se dedicou a criar um tipo de fan service na qual atores veteranos dos filmes de heróis são trazidos para novas produções não para fazerem pequenas aparições, mas sim para reviverem os seus papéis antigos, incorporando os velhos filmes ao universo atual e dando aos antigos personagens uma importância muito grande dentro das histórias atuais.

São dois os exemplos mais marcantes disso: Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, que trouxe todo o panteão das antigas franquias do herói de volta, incluindo suas velhas versões vividas por Tobey Maguire e Andrew Garfield; e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, que usa de seu conceito de multiverso para justificar a inclusão de velhos heróis conhecidos do público, incluindo o Doutor Xavier de Patrick Stewart e a Capitã Carter de Hailey Atwell. Contudo, enquanto o primeiro acerta na forma como traz esses personagens ao público, o segundo comete erros que já são típicos da introdução de fan services em filmes.

Alfred Molina retorna como Dr. Octopus em Homem-Aranha Sem Volta Para Casa. A presença do personagem foi confirmada no primeiro trailer e animou os fãs da primeira trilogia do herói.

Vamos começar analisando o que Homem-Aranha fez de certo. Antes de tudo, é preciso dizer que toda a trama desse filme foi construída para incluir essas introduções de personagens, de forma que o filme não conseguiria existir da maneira como foi pensado sem isso. Ainda assim, são introduções que parecem naturais, justificadas pelo conceito de multiverso de forma a expandir esse mesmo conceito. Da maneira como foram colocadas, as presenças de Tobey Maguire e Andrew Garfield não servem apenas para fazer uma breve homenagem, mas confirma a existência dos universos de ambos, aqueles que já acompanhamos nos anos anteriores. Assim, as aventuras de ambas são confirmadas como reais, bem como os arcos dos dois personagens, que continuam nesse filme.

Tobey Maguire e Andrew Garfield como as duas outras versões de Peter Parker que aparecessem no filme.

O mesmo vale para os vilões introduzidos. Eles não são apenas referências aos vilões antigos, eles são os vilões antigos, tirados de suas realidades momentos antes de serem derrotados, recebendo assim uma chance de continuarem seus próprios arcos, sendo desenvolvidos e aprofundados com mais força do que foram em seus filmes originais e ganhando novas camadas agora que confrontam esse novo Homem-Aranha vivido por Tom Holland. Obviamente não são todos que recebem esse tratamento: Lagarto (Rhys Ifans) e Homem-Areia (Thomas Haden Church) são personagens mais secundários e com arcos menos profundos. Mas os demais recebem um excelente tratamento que vai muito além da mera homenagem, principalmente o Duende Verde de Willem Dafoe.

Duende Verde com seu antigo visual do primeiro filme do Homem-Aranha. O personagem voltou a ser vivido por Willem Dafoe em Homem-Aranha Longe de Casa

Dar a esses personagens seus arcos e motivações, por sua vez, enriquece o filme, pois confere um motivo verossímil para tais personagens, interpretados por tais atores, existirem naquele universo. A partir do momento em que a trama opta por desenvolvê-los e torná-los parte essencial da história, eles deixam de ser um mero "serviço" e homenagem, e se tornam um elemento aditivo ao filme. E tal adição pode ser sentida na influência que todos esses personagens têm no arco do Homem-Aranha de Tom Holland, e como todos eles atuam ou como mentores ou como elementos-chave para o seu próprio desenvolvimento e amadurecimento. Sua presença no filme pode ter sido pensada inicialmente como uma homenagem, mas se desenvolveu a ponto de se tornar um fator agregador na história.

Doutor Estranho, por outro lado, faz o exato oposto. A introdução dos personagens mostrados no filme não agrega em nada na trama e no arco do herói, servindo apenas como essa homenagem vazia e como um meio de exposição de temas para o público. A ideia de trazer os Illuminati para essa história seria um dado interessante, mas nenhum dos personagens apresentados no grupo possui qualquer ligação com o Doutor Estranho ou com América Chavez, e não lhes é permitido criar essas relações. Assim, ficamos com o gostinho de ver o retorno de Patrick Stewart como Charles Xavier, a introdução definitiva de Hailey Atwell como Capitã Carter e a aparição de John Krasinsky como o Dr. Fantástico. Mas passado o momento inicial, nenhuma dessas aparições realmente fica marcada no público.

Capitã Carter na série What If...? A personagem foi trazida de volta em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura como parte dos Illuminatti.

Isso não significa que elas não sejam efetivas. Vendo o filme no cinema, eu não só vi o quanto o público adorou ver tais personagens em cena, como eu próprio me senti entusiasmado por eles. Mas é só isso que a presença deles traz: um entusiasmo momentâneo, que não nos afeta mais do que isso porque sua presença não afeta o filme para além desses segundos de aparição. Nenhum dos protagonistas é afetado de maneira profunda por eles ou possui conexões anteriores com eles. Então, porque deveria ser importante, do ponto de vista narrativo, que o Doutor Estranho se encontre com os Illuminatti? Poderia até ser, se eles tivessem optado por explorar o grupo mais a fundo e deixado que eles criassem algum tipo de relação com o protagonista. Mas da maneira como foram construídos, sua presença é meramente pra dar aos fãs um momento de euforia vazia, que rapidamente é esquecida.

Stephen Strange confronta o Professor Xavier, cena que foi mostrada no primeiro trailer do filme.

Em uma era onde o cinema já construiu uma cultura própria para si mesmo, com inúmeras gerações de produções a seu dispor, é aceitável que novos filmes façam essas referências e homenagens às produções antigas, especialmente em momentos onde a originalidade e a inspiração das produções do cinema parece enfrentar uma crise severa. Tendo isso em mente, muitos de nós não esperamos muito dos fan services presentes nos filmes. O próprio nome do fenômeno já explica: trata-se de um serviço à parte, um favor para os fãs do universo cinematográfico, do diretor daquele filme ou de grandes clássicos de uma época.

Mas diante da oportunidade, por que essas homenagens não poderiam ser mais aprofundadas e complexas? Se os fãs já vibram com a simples aparição de um personagem, o que será que fariam se tais personagens fossem, de fato, importantes para a trama e a influenciassem de maneira definitiva, afetando o desenvolvimento dos protagonistas e sua jornada na narrativa?

Isso é especialmente verdade para o Universo Marvel, que já trabalha naturalmente com essa introdução de personagens e, diante da existência de seu multiverso, tem a chance de explorar essa introdução de personagens memoráveis e atores de franquias antigas de forma muito ativa em seus novos filmes. É uma oportunidade que enriqueceria muito seu universo já existente, e conquistaria ainda mais o público que anseia pela presença desses personagens. Decidir qual tipo de fan service esse universo irá explorar com relação aos seus personagens é essencial para determinar como a Marvel irá evoluir no sentido de explorar seu Multiverso e introduzir atores icônicos em sua franquia.

No items found.
botão de dar play no vídeo
No items found.

Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
saiba mais sobre o filme
saiba mais sobre a série

Quando o fan service se torna parte constante dos novos filmes lançados, nos deparamos com dois tipos muito específicos: uma homenagem que nada acrescenta, e uma que trabalha os elementos do filme e o enriquece.

crítica por
Luis Henrique Franco
15/5/2022

AVISO: ESSE TEXTO CONTERÁ SPOILERS DE DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA. SE VOCÊ NÃO VIU O FILME AINDA, É RECOMENDÁVEL RETORNAR AO TEXTO DEPOIS DE TÊ-LO ASSISTIDO.

Fan Service é um fenômeno curioso. Com uma premissa simples, ele consiste em colocar dentro de alguma obra atual elementos de produções mais antigas, algo que os fãs dessa peça mais velha consigam reconhecer e que ativa um sentimento nostálgico neles. Extremamente presente nos dias atuais, em que grandes franquias dominam o cinema, essa técnica serve como instrumento para atrair pessoas para um filme, em especial um remake ou uma sequência tardia de uma produção de vinte, trinta ou mesmo quarenta anos atrás.

Na grande maioria dos casos, o fan service não é um elemento essencial dos filmes, e exerce muito pouca influência na história e na recepção do mesmo pelo público. Passado o momento de alegria momentâneo, a colocação de um elemento nostálgico não leva um filme a ser melhor ou pior, a menos que venha em uma quantidade tão grande que acabe sendo impossível desconsiderá-la. Assumindo a forma de easter-eggs e surpresas, são elementos divertidos de se caçar nos filmes de uma era dominada pelas franquias, na qual a maioria das produções é um remake ou continuação de algo já lançado no passado, e assumem a forma de objetos dos filmes clássicos, falas, temas musicais ou mesmo a presença dos atores do original em algum papel menor ou sem importância.

Contudo, da mesma maneira como o cinema evolui, o fan service também passa por mudanças, e, no momento atual, grandes universos cinematográficos, em especial o dos super-heróis, adotam um novo modo de homenagem que consiste em elementos mais fortes e que influenciam mais a trama do filme. Tomemos como exemplo a Marvel, que, com base na premissa de construir o seu multiverso, se dedicou a criar um tipo de fan service na qual atores veteranos dos filmes de heróis são trazidos para novas produções não para fazerem pequenas aparições, mas sim para reviverem os seus papéis antigos, incorporando os velhos filmes ao universo atual e dando aos antigos personagens uma importância muito grande dentro das histórias atuais.

São dois os exemplos mais marcantes disso: Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, que trouxe todo o panteão das antigas franquias do herói de volta, incluindo suas velhas versões vividas por Tobey Maguire e Andrew Garfield; e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, que usa de seu conceito de multiverso para justificar a inclusão de velhos heróis conhecidos do público, incluindo o Doutor Xavier de Patrick Stewart e a Capitã Carter de Hailey Atwell. Contudo, enquanto o primeiro acerta na forma como traz esses personagens ao público, o segundo comete erros que já são típicos da introdução de fan services em filmes.

Alfred Molina retorna como Dr. Octopus em Homem-Aranha Sem Volta Para Casa. A presença do personagem foi confirmada no primeiro trailer e animou os fãs da primeira trilogia do herói.

Vamos começar analisando o que Homem-Aranha fez de certo. Antes de tudo, é preciso dizer que toda a trama desse filme foi construída para incluir essas introduções de personagens, de forma que o filme não conseguiria existir da maneira como foi pensado sem isso. Ainda assim, são introduções que parecem naturais, justificadas pelo conceito de multiverso de forma a expandir esse mesmo conceito. Da maneira como foram colocadas, as presenças de Tobey Maguire e Andrew Garfield não servem apenas para fazer uma breve homenagem, mas confirma a existência dos universos de ambos, aqueles que já acompanhamos nos anos anteriores. Assim, as aventuras de ambas são confirmadas como reais, bem como os arcos dos dois personagens, que continuam nesse filme.

Tobey Maguire e Andrew Garfield como as duas outras versões de Peter Parker que aparecessem no filme.

O mesmo vale para os vilões introduzidos. Eles não são apenas referências aos vilões antigos, eles são os vilões antigos, tirados de suas realidades momentos antes de serem derrotados, recebendo assim uma chance de continuarem seus próprios arcos, sendo desenvolvidos e aprofundados com mais força do que foram em seus filmes originais e ganhando novas camadas agora que confrontam esse novo Homem-Aranha vivido por Tom Holland. Obviamente não são todos que recebem esse tratamento: Lagarto (Rhys Ifans) e Homem-Areia (Thomas Haden Church) são personagens mais secundários e com arcos menos profundos. Mas os demais recebem um excelente tratamento que vai muito além da mera homenagem, principalmente o Duende Verde de Willem Dafoe.

Duende Verde com seu antigo visual do primeiro filme do Homem-Aranha. O personagem voltou a ser vivido por Willem Dafoe em Homem-Aranha Longe de Casa

Dar a esses personagens seus arcos e motivações, por sua vez, enriquece o filme, pois confere um motivo verossímil para tais personagens, interpretados por tais atores, existirem naquele universo. A partir do momento em que a trama opta por desenvolvê-los e torná-los parte essencial da história, eles deixam de ser um mero "serviço" e homenagem, e se tornam um elemento aditivo ao filme. E tal adição pode ser sentida na influência que todos esses personagens têm no arco do Homem-Aranha de Tom Holland, e como todos eles atuam ou como mentores ou como elementos-chave para o seu próprio desenvolvimento e amadurecimento. Sua presença no filme pode ter sido pensada inicialmente como uma homenagem, mas se desenvolveu a ponto de se tornar um fator agregador na história.

Doutor Estranho, por outro lado, faz o exato oposto. A introdução dos personagens mostrados no filme não agrega em nada na trama e no arco do herói, servindo apenas como essa homenagem vazia e como um meio de exposição de temas para o público. A ideia de trazer os Illuminati para essa história seria um dado interessante, mas nenhum dos personagens apresentados no grupo possui qualquer ligação com o Doutor Estranho ou com América Chavez, e não lhes é permitido criar essas relações. Assim, ficamos com o gostinho de ver o retorno de Patrick Stewart como Charles Xavier, a introdução definitiva de Hailey Atwell como Capitã Carter e a aparição de John Krasinsky como o Dr. Fantástico. Mas passado o momento inicial, nenhuma dessas aparições realmente fica marcada no público.

Capitã Carter na série What If...? A personagem foi trazida de volta em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura como parte dos Illuminatti.

Isso não significa que elas não sejam efetivas. Vendo o filme no cinema, eu não só vi o quanto o público adorou ver tais personagens em cena, como eu próprio me senti entusiasmado por eles. Mas é só isso que a presença deles traz: um entusiasmo momentâneo, que não nos afeta mais do que isso porque sua presença não afeta o filme para além desses segundos de aparição. Nenhum dos protagonistas é afetado de maneira profunda por eles ou possui conexões anteriores com eles. Então, porque deveria ser importante, do ponto de vista narrativo, que o Doutor Estranho se encontre com os Illuminatti? Poderia até ser, se eles tivessem optado por explorar o grupo mais a fundo e deixado que eles criassem algum tipo de relação com o protagonista. Mas da maneira como foram construídos, sua presença é meramente pra dar aos fãs um momento de euforia vazia, que rapidamente é esquecida.

Stephen Strange confronta o Professor Xavier, cena que foi mostrada no primeiro trailer do filme.

Em uma era onde o cinema já construiu uma cultura própria para si mesmo, com inúmeras gerações de produções a seu dispor, é aceitável que novos filmes façam essas referências e homenagens às produções antigas, especialmente em momentos onde a originalidade e a inspiração das produções do cinema parece enfrentar uma crise severa. Tendo isso em mente, muitos de nós não esperamos muito dos fan services presentes nos filmes. O próprio nome do fenômeno já explica: trata-se de um serviço à parte, um favor para os fãs do universo cinematográfico, do diretor daquele filme ou de grandes clássicos de uma época.

Mas diante da oportunidade, por que essas homenagens não poderiam ser mais aprofundadas e complexas? Se os fãs já vibram com a simples aparição de um personagem, o que será que fariam se tais personagens fossem, de fato, importantes para a trama e a influenciassem de maneira definitiva, afetando o desenvolvimento dos protagonistas e sua jornada na narrativa?

Isso é especialmente verdade para o Universo Marvel, que já trabalha naturalmente com essa introdução de personagens e, diante da existência de seu multiverso, tem a chance de explorar essa introdução de personagens memoráveis e atores de franquias antigas de forma muito ativa em seus novos filmes. É uma oportunidade que enriqueceria muito seu universo já existente, e conquistaria ainda mais o público que anseia pela presença desses personagens. Decidir qual tipo de fan service esse universo irá explorar com relação aos seus personagens é essencial para determinar como a Marvel irá evoluir no sentido de explorar seu Multiverso e introduzir atores icônicos em sua franquia.

confira o trailer

Análise & Opinião

Quando o fan service se torna parte constante dos novos filmes lançados, nos deparamos com dois tipos muito específicos: uma homenagem que nada acrescenta, e uma que trabalha os elementos do filme e o enriquece.

escrito por
Luis Henrique Franco
15/5/2022
nascimento

Quando o fan service se torna parte constante dos novos filmes lançados, nos deparamos com dois tipos muito específicos: uma homenagem que nada acrescenta, e uma que trabalha os elementos do filme e o enriquece.

escrito por
Luis Henrique Franco
15/5/2022

AVISO: ESSE TEXTO CONTERÁ SPOILERS DE DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA. SE VOCÊ NÃO VIU O FILME AINDA, É RECOMENDÁVEL RETORNAR AO TEXTO DEPOIS DE TÊ-LO ASSISTIDO.

Fan Service é um fenômeno curioso. Com uma premissa simples, ele consiste em colocar dentro de alguma obra atual elementos de produções mais antigas, algo que os fãs dessa peça mais velha consigam reconhecer e que ativa um sentimento nostálgico neles. Extremamente presente nos dias atuais, em que grandes franquias dominam o cinema, essa técnica serve como instrumento para atrair pessoas para um filme, em especial um remake ou uma sequência tardia de uma produção de vinte, trinta ou mesmo quarenta anos atrás.

Na grande maioria dos casos, o fan service não é um elemento essencial dos filmes, e exerce muito pouca influência na história e na recepção do mesmo pelo público. Passado o momento de alegria momentâneo, a colocação de um elemento nostálgico não leva um filme a ser melhor ou pior, a menos que venha em uma quantidade tão grande que acabe sendo impossível desconsiderá-la. Assumindo a forma de easter-eggs e surpresas, são elementos divertidos de se caçar nos filmes de uma era dominada pelas franquias, na qual a maioria das produções é um remake ou continuação de algo já lançado no passado, e assumem a forma de objetos dos filmes clássicos, falas, temas musicais ou mesmo a presença dos atores do original em algum papel menor ou sem importância.

Contudo, da mesma maneira como o cinema evolui, o fan service também passa por mudanças, e, no momento atual, grandes universos cinematográficos, em especial o dos super-heróis, adotam um novo modo de homenagem que consiste em elementos mais fortes e que influenciam mais a trama do filme. Tomemos como exemplo a Marvel, que, com base na premissa de construir o seu multiverso, se dedicou a criar um tipo de fan service na qual atores veteranos dos filmes de heróis são trazidos para novas produções não para fazerem pequenas aparições, mas sim para reviverem os seus papéis antigos, incorporando os velhos filmes ao universo atual e dando aos antigos personagens uma importância muito grande dentro das histórias atuais.

São dois os exemplos mais marcantes disso: Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, que trouxe todo o panteão das antigas franquias do herói de volta, incluindo suas velhas versões vividas por Tobey Maguire e Andrew Garfield; e Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, que usa de seu conceito de multiverso para justificar a inclusão de velhos heróis conhecidos do público, incluindo o Doutor Xavier de Patrick Stewart e a Capitã Carter de Hailey Atwell. Contudo, enquanto o primeiro acerta na forma como traz esses personagens ao público, o segundo comete erros que já são típicos da introdução de fan services em filmes.

Alfred Molina retorna como Dr. Octopus em Homem-Aranha Sem Volta Para Casa. A presença do personagem foi confirmada no primeiro trailer e animou os fãs da primeira trilogia do herói.

Vamos começar analisando o que Homem-Aranha fez de certo. Antes de tudo, é preciso dizer que toda a trama desse filme foi construída para incluir essas introduções de personagens, de forma que o filme não conseguiria existir da maneira como foi pensado sem isso. Ainda assim, são introduções que parecem naturais, justificadas pelo conceito de multiverso de forma a expandir esse mesmo conceito. Da maneira como foram colocadas, as presenças de Tobey Maguire e Andrew Garfield não servem apenas para fazer uma breve homenagem, mas confirma a existência dos universos de ambos, aqueles que já acompanhamos nos anos anteriores. Assim, as aventuras de ambas são confirmadas como reais, bem como os arcos dos dois personagens, que continuam nesse filme.

Tobey Maguire e Andrew Garfield como as duas outras versões de Peter Parker que aparecessem no filme.

O mesmo vale para os vilões introduzidos. Eles não são apenas referências aos vilões antigos, eles são os vilões antigos, tirados de suas realidades momentos antes de serem derrotados, recebendo assim uma chance de continuarem seus próprios arcos, sendo desenvolvidos e aprofundados com mais força do que foram em seus filmes originais e ganhando novas camadas agora que confrontam esse novo Homem-Aranha vivido por Tom Holland. Obviamente não são todos que recebem esse tratamento: Lagarto (Rhys Ifans) e Homem-Areia (Thomas Haden Church) são personagens mais secundários e com arcos menos profundos. Mas os demais recebem um excelente tratamento que vai muito além da mera homenagem, principalmente o Duende Verde de Willem Dafoe.

Duende Verde com seu antigo visual do primeiro filme do Homem-Aranha. O personagem voltou a ser vivido por Willem Dafoe em Homem-Aranha Longe de Casa

Dar a esses personagens seus arcos e motivações, por sua vez, enriquece o filme, pois confere um motivo verossímil para tais personagens, interpretados por tais atores, existirem naquele universo. A partir do momento em que a trama opta por desenvolvê-los e torná-los parte essencial da história, eles deixam de ser um mero "serviço" e homenagem, e se tornam um elemento aditivo ao filme. E tal adição pode ser sentida na influência que todos esses personagens têm no arco do Homem-Aranha de Tom Holland, e como todos eles atuam ou como mentores ou como elementos-chave para o seu próprio desenvolvimento e amadurecimento. Sua presença no filme pode ter sido pensada inicialmente como uma homenagem, mas se desenvolveu a ponto de se tornar um fator agregador na história.

Doutor Estranho, por outro lado, faz o exato oposto. A introdução dos personagens mostrados no filme não agrega em nada na trama e no arco do herói, servindo apenas como essa homenagem vazia e como um meio de exposição de temas para o público. A ideia de trazer os Illuminati para essa história seria um dado interessante, mas nenhum dos personagens apresentados no grupo possui qualquer ligação com o Doutor Estranho ou com América Chavez, e não lhes é permitido criar essas relações. Assim, ficamos com o gostinho de ver o retorno de Patrick Stewart como Charles Xavier, a introdução definitiva de Hailey Atwell como Capitã Carter e a aparição de John Krasinsky como o Dr. Fantástico. Mas passado o momento inicial, nenhuma dessas aparições realmente fica marcada no público.

Capitã Carter na série What If...? A personagem foi trazida de volta em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura como parte dos Illuminatti.

Isso não significa que elas não sejam efetivas. Vendo o filme no cinema, eu não só vi o quanto o público adorou ver tais personagens em cena, como eu próprio me senti entusiasmado por eles. Mas é só isso que a presença deles traz: um entusiasmo momentâneo, que não nos afeta mais do que isso porque sua presença não afeta o filme para além desses segundos de aparição. Nenhum dos protagonistas é afetado de maneira profunda por eles ou possui conexões anteriores com eles. Então, porque deveria ser importante, do ponto de vista narrativo, que o Doutor Estranho se encontre com os Illuminatti? Poderia até ser, se eles tivessem optado por explorar o grupo mais a fundo e deixado que eles criassem algum tipo de relação com o protagonista. Mas da maneira como foram construídos, sua presença é meramente pra dar aos fãs um momento de euforia vazia, que rapidamente é esquecida.

Stephen Strange confronta o Professor Xavier, cena que foi mostrada no primeiro trailer do filme.

Em uma era onde o cinema já construiu uma cultura própria para si mesmo, com inúmeras gerações de produções a seu dispor, é aceitável que novos filmes façam essas referências e homenagens às produções antigas, especialmente em momentos onde a originalidade e a inspiração das produções do cinema parece enfrentar uma crise severa. Tendo isso em mente, muitos de nós não esperamos muito dos fan services presentes nos filmes. O próprio nome do fenômeno já explica: trata-se de um serviço à parte, um favor para os fãs do universo cinematográfico, do diretor daquele filme ou de grandes clássicos de uma época.

Mas diante da oportunidade, por que essas homenagens não poderiam ser mais aprofundadas e complexas? Se os fãs já vibram com a simples aparição de um personagem, o que será que fariam se tais personagens fossem, de fato, importantes para a trama e a influenciassem de maneira definitiva, afetando o desenvolvimento dos protagonistas e sua jornada na narrativa?

Isso é especialmente verdade para o Universo Marvel, que já trabalha naturalmente com essa introdução de personagens e, diante da existência de seu multiverso, tem a chance de explorar essa introdução de personagens memoráveis e atores de franquias antigas de forma muito ativa em seus novos filmes. É uma oportunidade que enriqueceria muito seu universo já existente, e conquistaria ainda mais o público que anseia pela presença desses personagens. Decidir qual tipo de fan service esse universo irá explorar com relação aos seus personagens é essencial para determinar como a Marvel irá evoluir no sentido de explorar seu Multiverso e introduzir atores icônicos em sua franquia.

ARTIGOS relacionados

deixe seu comentário