Crítica

Crítica

Os Banshees de Inisherin: os silenciosos gritos da solidão

3/2/2023

Disfarçando-se como uma comédia ácida, Os Banshees de Inisherin oferece poucos momentos de risadas exageradas e propõe uma sutil reflexão sobre a solidão e o fim de ciclos na vida.

escrito por
Luis Henrique Franco

Disfarçando-se como uma comédia ácida, Os Banshees de Inisherin oferece poucos momentos de risadas exageradas e propõe uma sutil reflexão sobre a solidão e o fim de ciclos na vida.

escrito por
Luis Henrique Franco
3/2/2023

Com uma experiência grande em teatro, Martin McDonagh possui um estilo único de compor comédias singulares, quase sempre mergulhando seus momentos engraçados em uma atmosfera pesada e melancólica. Três Anúncios para um Crime certamente já havia mostrado isso. Mas, se nessa produção o diretor e roteirista tinha enfrentado alguns problemas com a mudança excessiva de tom, alternando mais drasticamente entre a comédia e o drama pesado, em Os Banshees de Inisherin ele parece ter essa situação mais sob controle. A atmosfera do filme é sempre mais tensa, mesmo em seus momentos mais cômicos.

O filme retrata o fim de uma longa amizade entre Padráic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), dois homens que moram na ilha isolada de Inisherin, na Irlanda, e que se conhecem há anos. De repente, Colm decide abruptamente que não quer mais falar com Padráic, e inclusive impõe uma medida extrema para isso: toda vez que o ex-colega o aborrecer, ele irá cortar um de seus dedos.

Colm (Brendan Gleeson) alerta Padráic (Colin Farrell) de seu desejo por solidão enquanto os dois se sentam à mesa de um bar.

Tirando o absurdo dessa proposta, o roteiro do filme é simples e não se compromete com nenhum momento extra dramático ou impactante. A história segue o contexto dos habitantes da ilha e suas vidas pacatas, com um foco especial na relação entre os dois protagonistas nesse momento conturbado. Os conflitos entre Padráic e Colm são intensos e, em vários episódios, divertidos, um choque interessante entre dois pontos de vistas tão diferentes que nos deixam curiosos sobre como eles se tornaram amigos tão próximos a princípio. Mas para além disso, não há um desenvolvimento muito maior do conflito além de Padráic tentando reestabelecer a antiga amizade e Colm lutando para ser deixado em paz.

Para além do roteiro, o filme em si também é simples e pacato, como a vida dos habitantes. Há um pano de fundo que situa a história em meio à Guerra Civil Irlandesa, mas esse elemento não influencia a trama para além do pano de fundo. Para além disso, Os Banshees de Inisherin se sustenta com trocas de diálogos entre os personagens, simulando quase que uma peça de teatro, apresentando conflitos inteligentes nas conversas que não se traduzem em grandes confrontos físicos no filme. Isso pode dar à trama um aspecto monótono, mas onde o filme é simples na forma, é extremamente profundo no conteúdo.

Acho particularmente estranho que Os Banshees de Inisherin seja tratado como uma comédia. Definitivamente existem seus momentos cômicos e algumas trocas de diálogos mais divertidas, mas o filme em si não possui uma aura cômica. Sua atmosfera é sempre melancólica, mesmo nesses momentos mais divertidos, e suas piadas sempre trazem um peso de tensão que impedem verdadeiras gargalhadas e seguram o riso em uma forma mais reflexiva e, até mesmo, preocupada. A história em si soa mais como uma sátira, ou mesmo uma tragicomédia, que traz em seu interior não apenas o contexto do fim de uma amizade, mas também reflexões sobre depressão e solidão.

Nesse aspecto, triunfa a experiência de McDonagh no teatro. Seus diálogos possuem uma forma única de expor esses problemas dos personagens sem expressá-los diretamente, refletindo sobre os atos dos mesmos e significados internos daquilo que eles de fato expressam. Os extremos de Colm para ficar sozinho, a insistência de Padráic para manter a amizade e o comportamento dos demais membros do elenco estabelecem nuances de comportamento que o espectador atento capta e que ajudam a entender os reais conflitos internos de cada um. E é por causa disso que a não alteração do tom do filme é essencial, para que mesmo nas situações de riso e de comédia perdure esse clima triste, desesperado que reforça algo interno e não-dito pelos personagens.

Padráic observa pela janela um Colm recluso e solitário em sua casa

Nesse quesito, a ideia da banshee se associa de forma sublime ao contexto. Entidades da mitologia celta, as banshees eram espíritos vistos como portadores de maus agouros, cujos gritos ensurdecedores anunciam a morte. E é curioso como essas ideias se associam ao tema do filme. Existe a ideia de algo morrendo, uma morte e um momento ruim que é anunciado, mas não através de gritos ensurdecedores. Os problemas e os conflitos dos personagens não se expõe a partir de urros, mas sim de suas atitudes, suas reações que caracterizam uma solidão enorme que cada um deles enfrenta. Vítimas dessa solidão, os personagens caem em seus desesperos e depressões, mas nunca os comunicam a ninguém, como se o grito que os perturba nunca saísse, dando lugar a um silêncio mortífero.

Colm toca violino sozinho no bar.

Com tamanha trama, seria necessário um elenco perfeito para sustentá-la. Felizmente, Os Banshees de Inisherin conta com atuações perfeitas de todo o seu elenco. Farrell e Gleeson brilham juntos, ambos abrindo espaço para suas veias cômicas sutis, mas se destacando muito mais pela maneira como evocam as almas sofridas e os problemas internos de cada um: o primeiro desesperado por se ver sozinho, enquanto o segundo anseia pela solidão.

Padráic e Colm se afastam por uma estrada

Kerry Condon e Barry Keoghan completam o elenco e o fortalecem com suas atuações que não se deixam minguar em nenhum momento diante dos protagonistas. Condon parece mais forte no filme, impondo uma personagem carismática e cheia de momentos divertidos, mas que deixa claro ao espectador suas próprias aflições. Já Keoghan aparece em um papel um pouco mais chamativo e "barulhento", mas sustenta bem seu personagem de forma a não deixá-lo cair em caricaturas e estereótipos, criando um indivíduo por vezes irritante, mas que demonstra um bom coração e mais inteligência do que o julgam.

Padráic se senta com Dominc (Barry Keoghan) na mesa do bar.

Aclamado em diversas premiações, Os Banshees de Inisherin justifica sua reputação pela maneira como constrói sua narrativa em torno de problemas nem sempre visíveis e pela sutileza com que incomoda o público com essas questões sempre presentes. É certamente um grande filme pela sua abordagem, mas sofre com um marketing problemático, que certamente enganará as pessoas que forem assistir esperando uma comédia tradicional.

EXPECTATIVAS PARA O OSCAR

Prêmios indicados: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Roteiro Original, duas indicações a Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora, Melhor Edição.

Ostentando nove indicações ao Oscar, Os Banshees de Inisherin se encontra em uma singular posição em que, mesmo em suas indicações de destaque, deve enfrentar uma árdua competição para conseguir o prêmio. Parece que esse filme entrou em todas as disputas contra algum outro que já se solidificou como um favorito, e mesmo que surpresas a favor do longa de McDonagh sejam bem-vindas, a verdade é que tem um longo caminho nessa competição.

Talvez a indicação mais forte do filme seja a de Roteiro Original. Lutando contra Os Fabelmans, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Tár, o longa pode não parecer um favorito, mas seu caráter quase teatral e a maneira simples e sutil com que aborda os conflitos, além de seus momentos mais ácidos e a sua sustentação do tom melancólico podem ser indicativos de uma boa surpresa a seu favor.

Edição e Trilha Sonora são dois prêmios técnicos que o filme não deve levar. A edição em particular é boa, mas não sublime, e certamente não deve se destacar contra Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Tár, que também competem na premiação. A Trilha Sonora se destaca pelas peças de violino entristecidas e pelos longos momentos de silêncio que provocam uma certa ansiedade no público, mas isso não deve justificar uma premiação contra Os Fabelmans e Babilônia. Curiosamente, um dos prêmios técnicos no qual Os Banshees de Inisherin poderia ser o favorito, a fotografia, é também um em que o mesmo não foi indicado.

O grande sofrimento desse filme certamente será nas categorias de atuação. Isso porque é fato de o elenco é uma das melhores coisas em Os Banshees de Inisherin, com atuações fortes por parte dos quatro indicados e que certamente valeriam o prêmio. Infelizmente, os quatro disputam contra reconhecidos favoritos ao prêmio. A melhor chance de uma premiação por atuação seria Kerry Condon, com sua personagem divertida que, aos poucos, vai revelando suas tensões e dramas pessoais e apresenta um crescimento satisfatório ao longo do filme. Caso não se confirme o favoritismo de Angela Bassett, é certamente uma das que entraria forte na disputa.

Kerry Condon como Siobhán, observando a paisagem de Inisherin

Já para os atores a história é diferente. Competindo juntos como Atores Coadjuvantes, Brendan Gleeson e Barry Keoghan ambos possuem força para concorrerem ao prêmio, embora Gleeson saia com mais vantagem por uma construção mais complexa de seu personagem amargurado. Contudo, ambos estão nessa disputa contra o favorito Ke Huy Quan, de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que já angariou importantes prêmios e chega como o mais forte na competição. O mesmo pode ser dito de Colin Farrell, que mostrou nesse filme uma das atuações mais fortes de sua carreira, saindo de seus lugares-comuns e abrindo espaço para mostrar versatilidade em sua atuação, mas caindo no azar de disputar o prêmio contra os favoritos Austin Butler e Brendan Fraser, cuja competição pessoal deve deixar os demais concorrentes apagados.

A situação não é melhor para Martin McDonagh, que não necessariamente demonstrou algo notório em sua direção. O filme é bem conduzido e a sustentação do seu tom é certamente um triunfo, mas não do tipo que deve convencer os votantes da Academia, que já viram seus olhos para o favorito Steven Spielberg. Quanto a Melhor Filme, Os Banshees de Inisherin possui a seu favor o fato de ter conquistado o prêmio no Globo de Ouro. Desde então, porém, não é um filme que tem feito muito alarde em outras premiações, e talvez seu triunfo inicial o coloque como um páreo forte, mas não como um vencedor definitivo.

O diretor Martin McDonagh durante as filmagens de Os Banshees de Inisherin.
O diretor Martin McDonagh durante as filmagens de Os Banshees de Inisherin.

No contexto geral, temos um filme extremamente interessante e muito profundo, que chega à premiação como um forte concorrente, mas que, ao final, não deve receber um grande número de estatuetas, mais por competir com candidatos mais fortes do que por não ser merecedor das indicações.

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Os Banshees de Inisherin

Os Banshees de Inisherin

Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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Disfarçando-se como uma comédia ácida, Os Banshees de Inisherin oferece poucos momentos de risadas exageradas e propõe uma sutil reflexão sobre a solidão e o fim de ciclos na vida.

crítica por
Luis Henrique Franco
3/2/2023

Com uma experiência grande em teatro, Martin McDonagh possui um estilo único de compor comédias singulares, quase sempre mergulhando seus momentos engraçados em uma atmosfera pesada e melancólica. Três Anúncios para um Crime certamente já havia mostrado isso. Mas, se nessa produção o diretor e roteirista tinha enfrentado alguns problemas com a mudança excessiva de tom, alternando mais drasticamente entre a comédia e o drama pesado, em Os Banshees de Inisherin ele parece ter essa situação mais sob controle. A atmosfera do filme é sempre mais tensa, mesmo em seus momentos mais cômicos.

O filme retrata o fim de uma longa amizade entre Padráic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), dois homens que moram na ilha isolada de Inisherin, na Irlanda, e que se conhecem há anos. De repente, Colm decide abruptamente que não quer mais falar com Padráic, e inclusive impõe uma medida extrema para isso: toda vez que o ex-colega o aborrecer, ele irá cortar um de seus dedos.

Colm (Brendan Gleeson) alerta Padráic (Colin Farrell) de seu desejo por solidão enquanto os dois se sentam à mesa de um bar.

Tirando o absurdo dessa proposta, o roteiro do filme é simples e não se compromete com nenhum momento extra dramático ou impactante. A história segue o contexto dos habitantes da ilha e suas vidas pacatas, com um foco especial na relação entre os dois protagonistas nesse momento conturbado. Os conflitos entre Padráic e Colm são intensos e, em vários episódios, divertidos, um choque interessante entre dois pontos de vistas tão diferentes que nos deixam curiosos sobre como eles se tornaram amigos tão próximos a princípio. Mas para além disso, não há um desenvolvimento muito maior do conflito além de Padráic tentando reestabelecer a antiga amizade e Colm lutando para ser deixado em paz.

Para além do roteiro, o filme em si também é simples e pacato, como a vida dos habitantes. Há um pano de fundo que situa a história em meio à Guerra Civil Irlandesa, mas esse elemento não influencia a trama para além do pano de fundo. Para além disso, Os Banshees de Inisherin se sustenta com trocas de diálogos entre os personagens, simulando quase que uma peça de teatro, apresentando conflitos inteligentes nas conversas que não se traduzem em grandes confrontos físicos no filme. Isso pode dar à trama um aspecto monótono, mas onde o filme é simples na forma, é extremamente profundo no conteúdo.

Acho particularmente estranho que Os Banshees de Inisherin seja tratado como uma comédia. Definitivamente existem seus momentos cômicos e algumas trocas de diálogos mais divertidas, mas o filme em si não possui uma aura cômica. Sua atmosfera é sempre melancólica, mesmo nesses momentos mais divertidos, e suas piadas sempre trazem um peso de tensão que impedem verdadeiras gargalhadas e seguram o riso em uma forma mais reflexiva e, até mesmo, preocupada. A história em si soa mais como uma sátira, ou mesmo uma tragicomédia, que traz em seu interior não apenas o contexto do fim de uma amizade, mas também reflexões sobre depressão e solidão.

Nesse aspecto, triunfa a experiência de McDonagh no teatro. Seus diálogos possuem uma forma única de expor esses problemas dos personagens sem expressá-los diretamente, refletindo sobre os atos dos mesmos e significados internos daquilo que eles de fato expressam. Os extremos de Colm para ficar sozinho, a insistência de Padráic para manter a amizade e o comportamento dos demais membros do elenco estabelecem nuances de comportamento que o espectador atento capta e que ajudam a entender os reais conflitos internos de cada um. E é por causa disso que a não alteração do tom do filme é essencial, para que mesmo nas situações de riso e de comédia perdure esse clima triste, desesperado que reforça algo interno e não-dito pelos personagens.

Padráic observa pela janela um Colm recluso e solitário em sua casa

Nesse quesito, a ideia da banshee se associa de forma sublime ao contexto. Entidades da mitologia celta, as banshees eram espíritos vistos como portadores de maus agouros, cujos gritos ensurdecedores anunciam a morte. E é curioso como essas ideias se associam ao tema do filme. Existe a ideia de algo morrendo, uma morte e um momento ruim que é anunciado, mas não através de gritos ensurdecedores. Os problemas e os conflitos dos personagens não se expõe a partir de urros, mas sim de suas atitudes, suas reações que caracterizam uma solidão enorme que cada um deles enfrenta. Vítimas dessa solidão, os personagens caem em seus desesperos e depressões, mas nunca os comunicam a ninguém, como se o grito que os perturba nunca saísse, dando lugar a um silêncio mortífero.

Colm toca violino sozinho no bar.

Com tamanha trama, seria necessário um elenco perfeito para sustentá-la. Felizmente, Os Banshees de Inisherin conta com atuações perfeitas de todo o seu elenco. Farrell e Gleeson brilham juntos, ambos abrindo espaço para suas veias cômicas sutis, mas se destacando muito mais pela maneira como evocam as almas sofridas e os problemas internos de cada um: o primeiro desesperado por se ver sozinho, enquanto o segundo anseia pela solidão.

Padráic e Colm se afastam por uma estrada

Kerry Condon e Barry Keoghan completam o elenco e o fortalecem com suas atuações que não se deixam minguar em nenhum momento diante dos protagonistas. Condon parece mais forte no filme, impondo uma personagem carismática e cheia de momentos divertidos, mas que deixa claro ao espectador suas próprias aflições. Já Keoghan aparece em um papel um pouco mais chamativo e "barulhento", mas sustenta bem seu personagem de forma a não deixá-lo cair em caricaturas e estereótipos, criando um indivíduo por vezes irritante, mas que demonstra um bom coração e mais inteligência do que o julgam.

Padráic se senta com Dominc (Barry Keoghan) na mesa do bar.

Aclamado em diversas premiações, Os Banshees de Inisherin justifica sua reputação pela maneira como constrói sua narrativa em torno de problemas nem sempre visíveis e pela sutileza com que incomoda o público com essas questões sempre presentes. É certamente um grande filme pela sua abordagem, mas sofre com um marketing problemático, que certamente enganará as pessoas que forem assistir esperando uma comédia tradicional.

EXPECTATIVAS PARA O OSCAR

Prêmios indicados: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Roteiro Original, duas indicações a Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora, Melhor Edição.

Ostentando nove indicações ao Oscar, Os Banshees de Inisherin se encontra em uma singular posição em que, mesmo em suas indicações de destaque, deve enfrentar uma árdua competição para conseguir o prêmio. Parece que esse filme entrou em todas as disputas contra algum outro que já se solidificou como um favorito, e mesmo que surpresas a favor do longa de McDonagh sejam bem-vindas, a verdade é que tem um longo caminho nessa competição.

Talvez a indicação mais forte do filme seja a de Roteiro Original. Lutando contra Os Fabelmans, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Tár, o longa pode não parecer um favorito, mas seu caráter quase teatral e a maneira simples e sutil com que aborda os conflitos, além de seus momentos mais ácidos e a sua sustentação do tom melancólico podem ser indicativos de uma boa surpresa a seu favor.

Edição e Trilha Sonora são dois prêmios técnicos que o filme não deve levar. A edição em particular é boa, mas não sublime, e certamente não deve se destacar contra Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Tár, que também competem na premiação. A Trilha Sonora se destaca pelas peças de violino entristecidas e pelos longos momentos de silêncio que provocam uma certa ansiedade no público, mas isso não deve justificar uma premiação contra Os Fabelmans e Babilônia. Curiosamente, um dos prêmios técnicos no qual Os Banshees de Inisherin poderia ser o favorito, a fotografia, é também um em que o mesmo não foi indicado.

O grande sofrimento desse filme certamente será nas categorias de atuação. Isso porque é fato de o elenco é uma das melhores coisas em Os Banshees de Inisherin, com atuações fortes por parte dos quatro indicados e que certamente valeriam o prêmio. Infelizmente, os quatro disputam contra reconhecidos favoritos ao prêmio. A melhor chance de uma premiação por atuação seria Kerry Condon, com sua personagem divertida que, aos poucos, vai revelando suas tensões e dramas pessoais e apresenta um crescimento satisfatório ao longo do filme. Caso não se confirme o favoritismo de Angela Bassett, é certamente uma das que entraria forte na disputa.

Kerry Condon como Siobhán, observando a paisagem de Inisherin

Já para os atores a história é diferente. Competindo juntos como Atores Coadjuvantes, Brendan Gleeson e Barry Keoghan ambos possuem força para concorrerem ao prêmio, embora Gleeson saia com mais vantagem por uma construção mais complexa de seu personagem amargurado. Contudo, ambos estão nessa disputa contra o favorito Ke Huy Quan, de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que já angariou importantes prêmios e chega como o mais forte na competição. O mesmo pode ser dito de Colin Farrell, que mostrou nesse filme uma das atuações mais fortes de sua carreira, saindo de seus lugares-comuns e abrindo espaço para mostrar versatilidade em sua atuação, mas caindo no azar de disputar o prêmio contra os favoritos Austin Butler e Brendan Fraser, cuja competição pessoal deve deixar os demais concorrentes apagados.

A situação não é melhor para Martin McDonagh, que não necessariamente demonstrou algo notório em sua direção. O filme é bem conduzido e a sustentação do seu tom é certamente um triunfo, mas não do tipo que deve convencer os votantes da Academia, que já viram seus olhos para o favorito Steven Spielberg. Quanto a Melhor Filme, Os Banshees de Inisherin possui a seu favor o fato de ter conquistado o prêmio no Globo de Ouro. Desde então, porém, não é um filme que tem feito muito alarde em outras premiações, e talvez seu triunfo inicial o coloque como um páreo forte, mas não como um vencedor definitivo.

O diretor Martin McDonagh durante as filmagens de Os Banshees de Inisherin.
O diretor Martin McDonagh durante as filmagens de Os Banshees de Inisherin.

No contexto geral, temos um filme extremamente interessante e muito profundo, que chega à premiação como um forte concorrente, mas que, ao final, não deve receber um grande número de estatuetas, mais por competir com candidatos mais fortes do que por não ser merecedor das indicações.

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Crítica

Disfarçando-se como uma comédia ácida, Os Banshees de Inisherin oferece poucos momentos de risadas exageradas e propõe uma sutil reflexão sobre a solidão e o fim de ciclos na vida.

escrito por
Luis Henrique Franco
3/2/2023
nascimento

Disfarçando-se como uma comédia ácida, Os Banshees de Inisherin oferece poucos momentos de risadas exageradas e propõe uma sutil reflexão sobre a solidão e o fim de ciclos na vida.

escrito por
Luis Henrique Franco
3/2/2023

Com uma experiência grande em teatro, Martin McDonagh possui um estilo único de compor comédias singulares, quase sempre mergulhando seus momentos engraçados em uma atmosfera pesada e melancólica. Três Anúncios para um Crime certamente já havia mostrado isso. Mas, se nessa produção o diretor e roteirista tinha enfrentado alguns problemas com a mudança excessiva de tom, alternando mais drasticamente entre a comédia e o drama pesado, em Os Banshees de Inisherin ele parece ter essa situação mais sob controle. A atmosfera do filme é sempre mais tensa, mesmo em seus momentos mais cômicos.

O filme retrata o fim de uma longa amizade entre Padráic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), dois homens que moram na ilha isolada de Inisherin, na Irlanda, e que se conhecem há anos. De repente, Colm decide abruptamente que não quer mais falar com Padráic, e inclusive impõe uma medida extrema para isso: toda vez que o ex-colega o aborrecer, ele irá cortar um de seus dedos.

Colm (Brendan Gleeson) alerta Padráic (Colin Farrell) de seu desejo por solidão enquanto os dois se sentam à mesa de um bar.

Tirando o absurdo dessa proposta, o roteiro do filme é simples e não se compromete com nenhum momento extra dramático ou impactante. A história segue o contexto dos habitantes da ilha e suas vidas pacatas, com um foco especial na relação entre os dois protagonistas nesse momento conturbado. Os conflitos entre Padráic e Colm são intensos e, em vários episódios, divertidos, um choque interessante entre dois pontos de vistas tão diferentes que nos deixam curiosos sobre como eles se tornaram amigos tão próximos a princípio. Mas para além disso, não há um desenvolvimento muito maior do conflito além de Padráic tentando reestabelecer a antiga amizade e Colm lutando para ser deixado em paz.

Para além do roteiro, o filme em si também é simples e pacato, como a vida dos habitantes. Há um pano de fundo que situa a história em meio à Guerra Civil Irlandesa, mas esse elemento não influencia a trama para além do pano de fundo. Para além disso, Os Banshees de Inisherin se sustenta com trocas de diálogos entre os personagens, simulando quase que uma peça de teatro, apresentando conflitos inteligentes nas conversas que não se traduzem em grandes confrontos físicos no filme. Isso pode dar à trama um aspecto monótono, mas onde o filme é simples na forma, é extremamente profundo no conteúdo.

Acho particularmente estranho que Os Banshees de Inisherin seja tratado como uma comédia. Definitivamente existem seus momentos cômicos e algumas trocas de diálogos mais divertidas, mas o filme em si não possui uma aura cômica. Sua atmosfera é sempre melancólica, mesmo nesses momentos mais divertidos, e suas piadas sempre trazem um peso de tensão que impedem verdadeiras gargalhadas e seguram o riso em uma forma mais reflexiva e, até mesmo, preocupada. A história em si soa mais como uma sátira, ou mesmo uma tragicomédia, que traz em seu interior não apenas o contexto do fim de uma amizade, mas também reflexões sobre depressão e solidão.

Nesse aspecto, triunfa a experiência de McDonagh no teatro. Seus diálogos possuem uma forma única de expor esses problemas dos personagens sem expressá-los diretamente, refletindo sobre os atos dos mesmos e significados internos daquilo que eles de fato expressam. Os extremos de Colm para ficar sozinho, a insistência de Padráic para manter a amizade e o comportamento dos demais membros do elenco estabelecem nuances de comportamento que o espectador atento capta e que ajudam a entender os reais conflitos internos de cada um. E é por causa disso que a não alteração do tom do filme é essencial, para que mesmo nas situações de riso e de comédia perdure esse clima triste, desesperado que reforça algo interno e não-dito pelos personagens.

Padráic observa pela janela um Colm recluso e solitário em sua casa

Nesse quesito, a ideia da banshee se associa de forma sublime ao contexto. Entidades da mitologia celta, as banshees eram espíritos vistos como portadores de maus agouros, cujos gritos ensurdecedores anunciam a morte. E é curioso como essas ideias se associam ao tema do filme. Existe a ideia de algo morrendo, uma morte e um momento ruim que é anunciado, mas não através de gritos ensurdecedores. Os problemas e os conflitos dos personagens não se expõe a partir de urros, mas sim de suas atitudes, suas reações que caracterizam uma solidão enorme que cada um deles enfrenta. Vítimas dessa solidão, os personagens caem em seus desesperos e depressões, mas nunca os comunicam a ninguém, como se o grito que os perturba nunca saísse, dando lugar a um silêncio mortífero.

Colm toca violino sozinho no bar.

Com tamanha trama, seria necessário um elenco perfeito para sustentá-la. Felizmente, Os Banshees de Inisherin conta com atuações perfeitas de todo o seu elenco. Farrell e Gleeson brilham juntos, ambos abrindo espaço para suas veias cômicas sutis, mas se destacando muito mais pela maneira como evocam as almas sofridas e os problemas internos de cada um: o primeiro desesperado por se ver sozinho, enquanto o segundo anseia pela solidão.

Padráic e Colm se afastam por uma estrada

Kerry Condon e Barry Keoghan completam o elenco e o fortalecem com suas atuações que não se deixam minguar em nenhum momento diante dos protagonistas. Condon parece mais forte no filme, impondo uma personagem carismática e cheia de momentos divertidos, mas que deixa claro ao espectador suas próprias aflições. Já Keoghan aparece em um papel um pouco mais chamativo e "barulhento", mas sustenta bem seu personagem de forma a não deixá-lo cair em caricaturas e estereótipos, criando um indivíduo por vezes irritante, mas que demonstra um bom coração e mais inteligência do que o julgam.

Padráic se senta com Dominc (Barry Keoghan) na mesa do bar.

Aclamado em diversas premiações, Os Banshees de Inisherin justifica sua reputação pela maneira como constrói sua narrativa em torno de problemas nem sempre visíveis e pela sutileza com que incomoda o público com essas questões sempre presentes. É certamente um grande filme pela sua abordagem, mas sofre com um marketing problemático, que certamente enganará as pessoas que forem assistir esperando uma comédia tradicional.

EXPECTATIVAS PARA O OSCAR

Prêmios indicados: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Roteiro Original, duas indicações a Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Trilha Sonora, Melhor Edição.

Ostentando nove indicações ao Oscar, Os Banshees de Inisherin se encontra em uma singular posição em que, mesmo em suas indicações de destaque, deve enfrentar uma árdua competição para conseguir o prêmio. Parece que esse filme entrou em todas as disputas contra algum outro que já se solidificou como um favorito, e mesmo que surpresas a favor do longa de McDonagh sejam bem-vindas, a verdade é que tem um longo caminho nessa competição.

Talvez a indicação mais forte do filme seja a de Roteiro Original. Lutando contra Os Fabelmans, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Tár, o longa pode não parecer um favorito, mas seu caráter quase teatral e a maneira simples e sutil com que aborda os conflitos, além de seus momentos mais ácidos e a sua sustentação do tom melancólico podem ser indicativos de uma boa surpresa a seu favor.

Edição e Trilha Sonora são dois prêmios técnicos que o filme não deve levar. A edição em particular é boa, mas não sublime, e certamente não deve se destacar contra Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo e Tár, que também competem na premiação. A Trilha Sonora se destaca pelas peças de violino entristecidas e pelos longos momentos de silêncio que provocam uma certa ansiedade no público, mas isso não deve justificar uma premiação contra Os Fabelmans e Babilônia. Curiosamente, um dos prêmios técnicos no qual Os Banshees de Inisherin poderia ser o favorito, a fotografia, é também um em que o mesmo não foi indicado.

O grande sofrimento desse filme certamente será nas categorias de atuação. Isso porque é fato de o elenco é uma das melhores coisas em Os Banshees de Inisherin, com atuações fortes por parte dos quatro indicados e que certamente valeriam o prêmio. Infelizmente, os quatro disputam contra reconhecidos favoritos ao prêmio. A melhor chance de uma premiação por atuação seria Kerry Condon, com sua personagem divertida que, aos poucos, vai revelando suas tensões e dramas pessoais e apresenta um crescimento satisfatório ao longo do filme. Caso não se confirme o favoritismo de Angela Bassett, é certamente uma das que entraria forte na disputa.

Kerry Condon como Siobhán, observando a paisagem de Inisherin

Já para os atores a história é diferente. Competindo juntos como Atores Coadjuvantes, Brendan Gleeson e Barry Keoghan ambos possuem força para concorrerem ao prêmio, embora Gleeson saia com mais vantagem por uma construção mais complexa de seu personagem amargurado. Contudo, ambos estão nessa disputa contra o favorito Ke Huy Quan, de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, que já angariou importantes prêmios e chega como o mais forte na competição. O mesmo pode ser dito de Colin Farrell, que mostrou nesse filme uma das atuações mais fortes de sua carreira, saindo de seus lugares-comuns e abrindo espaço para mostrar versatilidade em sua atuação, mas caindo no azar de disputar o prêmio contra os favoritos Austin Butler e Brendan Fraser, cuja competição pessoal deve deixar os demais concorrentes apagados.

A situação não é melhor para Martin McDonagh, que não necessariamente demonstrou algo notório em sua direção. O filme é bem conduzido e a sustentação do seu tom é certamente um triunfo, mas não do tipo que deve convencer os votantes da Academia, que já viram seus olhos para o favorito Steven Spielberg. Quanto a Melhor Filme, Os Banshees de Inisherin possui a seu favor o fato de ter conquistado o prêmio no Globo de Ouro. Desde então, porém, não é um filme que tem feito muito alarde em outras premiações, e talvez seu triunfo inicial o coloque como um páreo forte, mas não como um vencedor definitivo.

O diretor Martin McDonagh durante as filmagens de Os Banshees de Inisherin.
O diretor Martin McDonagh durante as filmagens de Os Banshees de Inisherin.

No contexto geral, temos um filme extremamente interessante e muito profundo, que chega à premiação como um forte concorrente, mas que, ao final, não deve receber um grande número de estatuetas, mais por competir com candidatos mais fortes do que por não ser merecedor das indicações.

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