Análise & Opinião

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Stranger Things: A Anormalidade de se Crescer em Hawkins

4/7/2019

Em diversos filmes de fantasia e aventura, é abordado também o crescimento de seus personagens mais jovens. Stranger Things explora essa ideia com suas crianças, mas as coloca em um mundo muito mais sombrio que o habitual.

escrito por
Luis Henrique Franco

Em diversos filmes de fantasia e aventura, é abordado também o crescimento de seus personagens mais jovens. Stranger Things explora essa ideia com suas crianças, mas as coloca em um mundo muito mais sombrio que o habitual.

escrito por
Luis Henrique Franco
4/7/2019

Stranger Things é uma das séries de maior sucesso da Netflix nos últimos anos. Com suas inúmeras referências aos Anos 70/80, a série aborda temáticas exploradas em diversos filmes de sucesso e ainda amados nos dias de hoje, não só no que diz respeito aos seres do Mundo Invertido, mas também nas relações entre seus personagens principais, em especial as crianças. Por trás das aventuras fantásticas e o enfrentamento de monstros, existe uma outra trama que se constrói na solidificação da amizade e da confiança entre Mike, Eleven, Dustin, Will, Lucas e Max, assim como crescimento deles na anormal cidade de Hawkins.

UMA PREMISSA ANTIGA DE AMIZADE

Entre as muitas referências a filmes antigos presentes na série, Stranger Things traz muito de filmes que abordam a amizade na juventude. Com especial destaque para Conta Comigo, de 1986, são inúmeros os destaques que podemos fazer para longas centrados em um grupo de amigos, todos em uma idade entre a infância e a adolescência, que passam por um grande número de aventuras juntos e vencem todas elas por permanecerem juntos e leais uns aos outros. Baseado em uma obra de Stephen King, Conta Comigo certamente se tornou um dos maiores clássicos desse tipo de filme pela sua maneira tocante de mostrar o amadurecimento de seus protagonistas durante sua jornada. As duas coisas mais notáveis dessa produção são o crescimento de seus protagonistas ao longo da narrativa e a tendência da amizade entre eles de permanecer grande o suficiente para persistir ao passar dos anos, mesmo depois que eles se separam e seguem para suas próprias vidas.

Stranger Things é quase que completamente centrada nessa mesma ligação entre seus protagonistas mais jovens. Com algumas tramas centradas nos adultos e nos jovens mais velhos, quase todas as principais ações figuram o grupo de crianças e o seu trabalho para resolver os mistérios que assolam Hawkins. E, da mesma maneira que nos filmes, os desafios enfrentados são o principal fator que reforça a união entre eles, através de brigas, desentendimentos, brincadeiras, promessas e apoio entre os personagens.

Obviamente, porém, existe um ponto que difere a série de outras produções que abordam essa temática de laços criados na juventude: os acontecimentos sobrenaturais que assombram Hawkins. Muito semelhante ao filme Super 8, Stranger Things não trata apenas de um bando de jovens em fase de crescimento que decidem partir em uma aventura normal porque eles querem. É fácil duvidar que qualquer uma das crianças na série desejaria viver as aventuras que viveram, visto a quantidade enorme de riscos que eles correm ao enfrentarem os perigosos seres vindos do Mundo Invertido, que vão desde o Demogorgon e os Demodogs até o gigantesco Mind Flayer.

ALGO DE REALMENTE MONSTRUOSO

Ao tratar da anormalidade que constantemente assombra a cidade de Hawkins, Stranger Things segue inúmeros caminhos de inúmeras inspirações diferentes, desde RPGs e jogos antigos até filmes de terror como Alien. Em contraste com a forma mais cômica e familiar de seu lado voltado para o crescimento e a amizade do grupo de crianças, a série consegue introduzir elementos dos mais assustadores à sua produção, concedendo aos acontecimentos um toque de horror real que se afasta do tom geralmente empregado em filmes de aventura e ficção do mesmo tema.

Um bom exemplo disso é o tratamento dado à personagem Eleven. Apesar de sua relação com os meninos do grupo se desenvolver de maneira semelhante à vista no filme E.T., de Steven Spielberg, seus poderes são representados de uma maneira muito mais assustadora. No lugar de um alienígena que faz bicicletas flutuarem, temos uma menina paranormal capaz de virar vans do avesso e desintegrar monstros. No lugar de apenas um mistério surpreendente, temos um terror realista, onde os jovens não são apenas espectadores dos acontecimentos que decidem investigar, mas são extremamente afetados por eles e, em alguns casos, até mortos por eles (como foi o caso da personagem Barb).

O maior diferencial no caso de Stranger Things é que, nos outros filmes e séries, a presença paranormal vai embora e o final de tudo tem um ar de resolução relaxante, aliviadora, enquanto que nessa série nunca temos a real certeza de que as criaturas do Mundo Invertido vão embora. A segunda temporada tinha tudo para ter um final alegre, com todos os protagonistas dançando no baile da escola, até sermos transportados para o Mundo Invertido e termos uma visão aterradora do Mind Flayer se aproximando novamente. Essa constância nos faz estar sempre alertas, e não importa o quão boas as coisas parecem quando a temporada acaba, temos sempre uma sensação de insegurança em relação ao que está por vir. E esse sentimento vai muito além da ideia de que uma série precisa criar elementos para a sua continuidade: o fato é que o Mundo Invertido é um outro mundo completo, com vastas possibilidades que dificilmente podem ser completamente exploradas, não importa o quão longa a série seja. É difícil, portanto, pensar em algum final onde o Mundo Invertido deixará de ser uma ameaça por completo, a menos que comecemos a criar teorias realmente hiper-exageradas.

WILL E ELEVEN: O CONTATO IMEDIATO

No meio dessa situação, é óbvio que todas as vidas vão ser afetadas, mas algumas podem ser mais afetadas que outras. Tomemos por exemplo os personagens Will Byers e Eleven. No grupo das crianças na primeira temporada, Will faz o papel do nerd tímido e inseguro que apresenta problemas para se defender e expressar sua opinião. Ele também é o primeiro personagem a ser abduzido/sequestrado/teletransportado para o Mundo Invertido pelo Demogorgon. E é no Mundo Invertido onde ele passa basicamente toda a primeira temporada até finalmente ser resgatado. Mas é claro que o tempo passado lá dentro e o contato como Demogorgon criaram uma relação perigosíssima entre o garoto e os monstros do Mundo Invertido e afetaram por completo sua vida daí em diante.

Do outro lado da situação, temos Eleven, uma garotinha que desde muito pequena possui poderes telecinéticos e um contato especial com o Mundo Invertido, razão pela qual o pai dela a usou em inúmeros testes científicos para tentar estabelecer um contato duradouro nesse outro mundo e usar seu poder em benefício próprio. Pelo menos até o Demogorgon sair matando todo mundo, ocasionando a escapada de Eleven que, pela primeira vez em sua vida, poderia viver em um mundo considerado "normal", mesmo que seus poderes sejam um grande empecilho para ela conseguir desfrutar essa normalidade.

Para esses dois personagens, crescer como pessoas normais se tornou praticamente impossível desde o começo da série. Não só porque a cidade onde moram foi afetada por uma série de acontecimentos paranormais, mas também porque eles próprios foram severa e pessoalmente afetados por esses acontecimentos. No caso deles, estamos falando de contato direto com o que quer que exista do outro lado. Estamos falando de poderes telecinéticos e de abdução. É praticamente impossível retornar ao "normal" depois disso. Sempre que algo estranho acontecer em Hawkins, os dois serão praticamente arrastados para o meio de tudo por causa desse contato que já possuíram.

CRESCENDO EM UM MUNDO DE MONSTROS

Não dá para a série fingir que os acontecimentos não afetam a maneira que as crianças veem o mundo. Filmes podem, em geral, evitar tocar nesse assunto ao simplesmente terminar no momento em que a ameaça se esvai, sem abordar a maneira como ela vai afetar o restante da vida das pessoas e, principalmente, das crianças envolvidas. Em alguns casos, eles até tocam nesse assunto, mesmo que sucintamente, como é o caso de Conta Comigo. Em Stranger Things, entretanto, essa fuga é praticamente impossível. Mesmo que não seja mostrado como a vida adulta do grupo de crianças vai ser alterada pelos eventos de sua infância, a cada temporada somos apresentados às consequências de suas últimas aventuras.

Já foi mencionado acima como o contato imediato afeta Will e Eleven, mas praticamente todos ao redor deles também sofrem algum tipo de trauma, talvez menos intenso, mas ainda assim aparente em toda a série. Joyce Byers, mãe do Will é clara e extremamente afetada pelo desaparecimento do filho e pela maneira como este retorna, e o mesmo pode ser dito do irmão dele, Jonathan. Nancy sofre e sente a necessidade de encontrar justiça por sua amiga Barb na segunda temporada. Mike, Lucas e Dustin sentem pesadamente o desaparecimento do amigo Will e a dificuldade em integrar Eleven ao grupo. Mais especificamente nas crianças, esse tipo de acontecimento será marcante em suas vidas e com certeza servirá para moldá-las de alguma maneira.

Esse tipo de efeito nos personagens, apesar de deduzível na maioria dos filmes também, não chega a ser mostrado. E.t. - O Extraterrestre e Super 8, por exemplo, não chegam a retratar como os acontecimentos da trama afetarão seus personagens no futuro. It - A Coisa chega próximo a isso com a ideia de mostrar os mesmos personagens como crianças e como adultos, mas empaca na questão de que os traumas vividos por eles quando pequenos são esquecidos no momento em que eles saem da cidade, não causando muitos efeitos na vida que levam daí em diante. Stranger Things, talvez justamente por ser uma série, tem mais espaço para mostrar esses efeitos, se não ao longo dos anos, ao menos no curto prazo. Não se trata de uma série que mostra as consequências das situações quando as crianças atingem a maioridade, mas como esses traumas afetam o dia-a-dia de um grupo de adolescentes que ainda está se desenvolvendo e amadurecendo. Amadurecimento esse que é notável de uma temporada para a outra, e que se vê claramente afetado pelos horrores estranhos que eles enfrentam.

Amadurecimento durante a infância é um tema difícil que encontra bastante abertura em séries e filmes sobre fantasia e ficção. Seja o simples lidar com um trauma até o enfrentamento de monstros terríveis, o crescimento de personagens jovens é colocado ao lado dessas ideias fantásticas e é recebido pelo público de uma forma um pouco mais discreta. Podemos não perceber isso, ou não discutir esse tópico em todas as conversas sobre a série, mas em uma pordução como Stranger Things, em meio à nossa admiração pelos monstros e poderes, não temos como não notar também a mudança nos hábitos e nas reações dos personagens, e como tudo aquilo pelo que eles passam afeta profundamente sua maneira de ver o mundo.

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Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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Em diversos filmes de fantasia e aventura, é abordado também o crescimento de seus personagens mais jovens. Stranger Things explora essa ideia com suas crianças, mas as coloca em um mundo muito mais sombrio que o habitual.

crítica por
Luis Henrique Franco
4/7/2019

Stranger Things é uma das séries de maior sucesso da Netflix nos últimos anos. Com suas inúmeras referências aos Anos 70/80, a série aborda temáticas exploradas em diversos filmes de sucesso e ainda amados nos dias de hoje, não só no que diz respeito aos seres do Mundo Invertido, mas também nas relações entre seus personagens principais, em especial as crianças. Por trás das aventuras fantásticas e o enfrentamento de monstros, existe uma outra trama que se constrói na solidificação da amizade e da confiança entre Mike, Eleven, Dustin, Will, Lucas e Max, assim como crescimento deles na anormal cidade de Hawkins.

UMA PREMISSA ANTIGA DE AMIZADE

Entre as muitas referências a filmes antigos presentes na série, Stranger Things traz muito de filmes que abordam a amizade na juventude. Com especial destaque para Conta Comigo, de 1986, são inúmeros os destaques que podemos fazer para longas centrados em um grupo de amigos, todos em uma idade entre a infância e a adolescência, que passam por um grande número de aventuras juntos e vencem todas elas por permanecerem juntos e leais uns aos outros. Baseado em uma obra de Stephen King, Conta Comigo certamente se tornou um dos maiores clássicos desse tipo de filme pela sua maneira tocante de mostrar o amadurecimento de seus protagonistas durante sua jornada. As duas coisas mais notáveis dessa produção são o crescimento de seus protagonistas ao longo da narrativa e a tendência da amizade entre eles de permanecer grande o suficiente para persistir ao passar dos anos, mesmo depois que eles se separam e seguem para suas próprias vidas.

Stranger Things é quase que completamente centrada nessa mesma ligação entre seus protagonistas mais jovens. Com algumas tramas centradas nos adultos e nos jovens mais velhos, quase todas as principais ações figuram o grupo de crianças e o seu trabalho para resolver os mistérios que assolam Hawkins. E, da mesma maneira que nos filmes, os desafios enfrentados são o principal fator que reforça a união entre eles, através de brigas, desentendimentos, brincadeiras, promessas e apoio entre os personagens.

Obviamente, porém, existe um ponto que difere a série de outras produções que abordam essa temática de laços criados na juventude: os acontecimentos sobrenaturais que assombram Hawkins. Muito semelhante ao filme Super 8, Stranger Things não trata apenas de um bando de jovens em fase de crescimento que decidem partir em uma aventura normal porque eles querem. É fácil duvidar que qualquer uma das crianças na série desejaria viver as aventuras que viveram, visto a quantidade enorme de riscos que eles correm ao enfrentarem os perigosos seres vindos do Mundo Invertido, que vão desde o Demogorgon e os Demodogs até o gigantesco Mind Flayer.

ALGO DE REALMENTE MONSTRUOSO

Ao tratar da anormalidade que constantemente assombra a cidade de Hawkins, Stranger Things segue inúmeros caminhos de inúmeras inspirações diferentes, desde RPGs e jogos antigos até filmes de terror como Alien. Em contraste com a forma mais cômica e familiar de seu lado voltado para o crescimento e a amizade do grupo de crianças, a série consegue introduzir elementos dos mais assustadores à sua produção, concedendo aos acontecimentos um toque de horror real que se afasta do tom geralmente empregado em filmes de aventura e ficção do mesmo tema.

Um bom exemplo disso é o tratamento dado à personagem Eleven. Apesar de sua relação com os meninos do grupo se desenvolver de maneira semelhante à vista no filme E.T., de Steven Spielberg, seus poderes são representados de uma maneira muito mais assustadora. No lugar de um alienígena que faz bicicletas flutuarem, temos uma menina paranormal capaz de virar vans do avesso e desintegrar monstros. No lugar de apenas um mistério surpreendente, temos um terror realista, onde os jovens não são apenas espectadores dos acontecimentos que decidem investigar, mas são extremamente afetados por eles e, em alguns casos, até mortos por eles (como foi o caso da personagem Barb).

O maior diferencial no caso de Stranger Things é que, nos outros filmes e séries, a presença paranormal vai embora e o final de tudo tem um ar de resolução relaxante, aliviadora, enquanto que nessa série nunca temos a real certeza de que as criaturas do Mundo Invertido vão embora. A segunda temporada tinha tudo para ter um final alegre, com todos os protagonistas dançando no baile da escola, até sermos transportados para o Mundo Invertido e termos uma visão aterradora do Mind Flayer se aproximando novamente. Essa constância nos faz estar sempre alertas, e não importa o quão boas as coisas parecem quando a temporada acaba, temos sempre uma sensação de insegurança em relação ao que está por vir. E esse sentimento vai muito além da ideia de que uma série precisa criar elementos para a sua continuidade: o fato é que o Mundo Invertido é um outro mundo completo, com vastas possibilidades que dificilmente podem ser completamente exploradas, não importa o quão longa a série seja. É difícil, portanto, pensar em algum final onde o Mundo Invertido deixará de ser uma ameaça por completo, a menos que comecemos a criar teorias realmente hiper-exageradas.

WILL E ELEVEN: O CONTATO IMEDIATO

No meio dessa situação, é óbvio que todas as vidas vão ser afetadas, mas algumas podem ser mais afetadas que outras. Tomemos por exemplo os personagens Will Byers e Eleven. No grupo das crianças na primeira temporada, Will faz o papel do nerd tímido e inseguro que apresenta problemas para se defender e expressar sua opinião. Ele também é o primeiro personagem a ser abduzido/sequestrado/teletransportado para o Mundo Invertido pelo Demogorgon. E é no Mundo Invertido onde ele passa basicamente toda a primeira temporada até finalmente ser resgatado. Mas é claro que o tempo passado lá dentro e o contato como Demogorgon criaram uma relação perigosíssima entre o garoto e os monstros do Mundo Invertido e afetaram por completo sua vida daí em diante.

Do outro lado da situação, temos Eleven, uma garotinha que desde muito pequena possui poderes telecinéticos e um contato especial com o Mundo Invertido, razão pela qual o pai dela a usou em inúmeros testes científicos para tentar estabelecer um contato duradouro nesse outro mundo e usar seu poder em benefício próprio. Pelo menos até o Demogorgon sair matando todo mundo, ocasionando a escapada de Eleven que, pela primeira vez em sua vida, poderia viver em um mundo considerado "normal", mesmo que seus poderes sejam um grande empecilho para ela conseguir desfrutar essa normalidade.

Para esses dois personagens, crescer como pessoas normais se tornou praticamente impossível desde o começo da série. Não só porque a cidade onde moram foi afetada por uma série de acontecimentos paranormais, mas também porque eles próprios foram severa e pessoalmente afetados por esses acontecimentos. No caso deles, estamos falando de contato direto com o que quer que exista do outro lado. Estamos falando de poderes telecinéticos e de abdução. É praticamente impossível retornar ao "normal" depois disso. Sempre que algo estranho acontecer em Hawkins, os dois serão praticamente arrastados para o meio de tudo por causa desse contato que já possuíram.

CRESCENDO EM UM MUNDO DE MONSTROS

Não dá para a série fingir que os acontecimentos não afetam a maneira que as crianças veem o mundo. Filmes podem, em geral, evitar tocar nesse assunto ao simplesmente terminar no momento em que a ameaça se esvai, sem abordar a maneira como ela vai afetar o restante da vida das pessoas e, principalmente, das crianças envolvidas. Em alguns casos, eles até tocam nesse assunto, mesmo que sucintamente, como é o caso de Conta Comigo. Em Stranger Things, entretanto, essa fuga é praticamente impossível. Mesmo que não seja mostrado como a vida adulta do grupo de crianças vai ser alterada pelos eventos de sua infância, a cada temporada somos apresentados às consequências de suas últimas aventuras.

Já foi mencionado acima como o contato imediato afeta Will e Eleven, mas praticamente todos ao redor deles também sofrem algum tipo de trauma, talvez menos intenso, mas ainda assim aparente em toda a série. Joyce Byers, mãe do Will é clara e extremamente afetada pelo desaparecimento do filho e pela maneira como este retorna, e o mesmo pode ser dito do irmão dele, Jonathan. Nancy sofre e sente a necessidade de encontrar justiça por sua amiga Barb na segunda temporada. Mike, Lucas e Dustin sentem pesadamente o desaparecimento do amigo Will e a dificuldade em integrar Eleven ao grupo. Mais especificamente nas crianças, esse tipo de acontecimento será marcante em suas vidas e com certeza servirá para moldá-las de alguma maneira.

Esse tipo de efeito nos personagens, apesar de deduzível na maioria dos filmes também, não chega a ser mostrado. E.t. - O Extraterrestre e Super 8, por exemplo, não chegam a retratar como os acontecimentos da trama afetarão seus personagens no futuro. It - A Coisa chega próximo a isso com a ideia de mostrar os mesmos personagens como crianças e como adultos, mas empaca na questão de que os traumas vividos por eles quando pequenos são esquecidos no momento em que eles saem da cidade, não causando muitos efeitos na vida que levam daí em diante. Stranger Things, talvez justamente por ser uma série, tem mais espaço para mostrar esses efeitos, se não ao longo dos anos, ao menos no curto prazo. Não se trata de uma série que mostra as consequências das situações quando as crianças atingem a maioridade, mas como esses traumas afetam o dia-a-dia de um grupo de adolescentes que ainda está se desenvolvendo e amadurecendo. Amadurecimento esse que é notável de uma temporada para a outra, e que se vê claramente afetado pelos horrores estranhos que eles enfrentam.

Amadurecimento durante a infância é um tema difícil que encontra bastante abertura em séries e filmes sobre fantasia e ficção. Seja o simples lidar com um trauma até o enfrentamento de monstros terríveis, o crescimento de personagens jovens é colocado ao lado dessas ideias fantásticas e é recebido pelo público de uma forma um pouco mais discreta. Podemos não perceber isso, ou não discutir esse tópico em todas as conversas sobre a série, mas em uma pordução como Stranger Things, em meio à nossa admiração pelos monstros e poderes, não temos como não notar também a mudança nos hábitos e nas reações dos personagens, e como tudo aquilo pelo que eles passam afeta profundamente sua maneira de ver o mundo.

confira o trailer

Análise & Opinião

Em diversos filmes de fantasia e aventura, é abordado também o crescimento de seus personagens mais jovens. Stranger Things explora essa ideia com suas crianças, mas as coloca em um mundo muito mais sombrio que o habitual.

escrito por
Luis Henrique Franco
4/7/2019
nascimento

Em diversos filmes de fantasia e aventura, é abordado também o crescimento de seus personagens mais jovens. Stranger Things explora essa ideia com suas crianças, mas as coloca em um mundo muito mais sombrio que o habitual.

escrito por
Luis Henrique Franco
4/7/2019

Stranger Things é uma das séries de maior sucesso da Netflix nos últimos anos. Com suas inúmeras referências aos Anos 70/80, a série aborda temáticas exploradas em diversos filmes de sucesso e ainda amados nos dias de hoje, não só no que diz respeito aos seres do Mundo Invertido, mas também nas relações entre seus personagens principais, em especial as crianças. Por trás das aventuras fantásticas e o enfrentamento de monstros, existe uma outra trama que se constrói na solidificação da amizade e da confiança entre Mike, Eleven, Dustin, Will, Lucas e Max, assim como crescimento deles na anormal cidade de Hawkins.

UMA PREMISSA ANTIGA DE AMIZADE

Entre as muitas referências a filmes antigos presentes na série, Stranger Things traz muito de filmes que abordam a amizade na juventude. Com especial destaque para Conta Comigo, de 1986, são inúmeros os destaques que podemos fazer para longas centrados em um grupo de amigos, todos em uma idade entre a infância e a adolescência, que passam por um grande número de aventuras juntos e vencem todas elas por permanecerem juntos e leais uns aos outros. Baseado em uma obra de Stephen King, Conta Comigo certamente se tornou um dos maiores clássicos desse tipo de filme pela sua maneira tocante de mostrar o amadurecimento de seus protagonistas durante sua jornada. As duas coisas mais notáveis dessa produção são o crescimento de seus protagonistas ao longo da narrativa e a tendência da amizade entre eles de permanecer grande o suficiente para persistir ao passar dos anos, mesmo depois que eles se separam e seguem para suas próprias vidas.

Stranger Things é quase que completamente centrada nessa mesma ligação entre seus protagonistas mais jovens. Com algumas tramas centradas nos adultos e nos jovens mais velhos, quase todas as principais ações figuram o grupo de crianças e o seu trabalho para resolver os mistérios que assolam Hawkins. E, da mesma maneira que nos filmes, os desafios enfrentados são o principal fator que reforça a união entre eles, através de brigas, desentendimentos, brincadeiras, promessas e apoio entre os personagens.

Obviamente, porém, existe um ponto que difere a série de outras produções que abordam essa temática de laços criados na juventude: os acontecimentos sobrenaturais que assombram Hawkins. Muito semelhante ao filme Super 8, Stranger Things não trata apenas de um bando de jovens em fase de crescimento que decidem partir em uma aventura normal porque eles querem. É fácil duvidar que qualquer uma das crianças na série desejaria viver as aventuras que viveram, visto a quantidade enorme de riscos que eles correm ao enfrentarem os perigosos seres vindos do Mundo Invertido, que vão desde o Demogorgon e os Demodogs até o gigantesco Mind Flayer.

ALGO DE REALMENTE MONSTRUOSO

Ao tratar da anormalidade que constantemente assombra a cidade de Hawkins, Stranger Things segue inúmeros caminhos de inúmeras inspirações diferentes, desde RPGs e jogos antigos até filmes de terror como Alien. Em contraste com a forma mais cômica e familiar de seu lado voltado para o crescimento e a amizade do grupo de crianças, a série consegue introduzir elementos dos mais assustadores à sua produção, concedendo aos acontecimentos um toque de horror real que se afasta do tom geralmente empregado em filmes de aventura e ficção do mesmo tema.

Um bom exemplo disso é o tratamento dado à personagem Eleven. Apesar de sua relação com os meninos do grupo se desenvolver de maneira semelhante à vista no filme E.T., de Steven Spielberg, seus poderes são representados de uma maneira muito mais assustadora. No lugar de um alienígena que faz bicicletas flutuarem, temos uma menina paranormal capaz de virar vans do avesso e desintegrar monstros. No lugar de apenas um mistério surpreendente, temos um terror realista, onde os jovens não são apenas espectadores dos acontecimentos que decidem investigar, mas são extremamente afetados por eles e, em alguns casos, até mortos por eles (como foi o caso da personagem Barb).

O maior diferencial no caso de Stranger Things é que, nos outros filmes e séries, a presença paranormal vai embora e o final de tudo tem um ar de resolução relaxante, aliviadora, enquanto que nessa série nunca temos a real certeza de que as criaturas do Mundo Invertido vão embora. A segunda temporada tinha tudo para ter um final alegre, com todos os protagonistas dançando no baile da escola, até sermos transportados para o Mundo Invertido e termos uma visão aterradora do Mind Flayer se aproximando novamente. Essa constância nos faz estar sempre alertas, e não importa o quão boas as coisas parecem quando a temporada acaba, temos sempre uma sensação de insegurança em relação ao que está por vir. E esse sentimento vai muito além da ideia de que uma série precisa criar elementos para a sua continuidade: o fato é que o Mundo Invertido é um outro mundo completo, com vastas possibilidades que dificilmente podem ser completamente exploradas, não importa o quão longa a série seja. É difícil, portanto, pensar em algum final onde o Mundo Invertido deixará de ser uma ameaça por completo, a menos que comecemos a criar teorias realmente hiper-exageradas.

WILL E ELEVEN: O CONTATO IMEDIATO

No meio dessa situação, é óbvio que todas as vidas vão ser afetadas, mas algumas podem ser mais afetadas que outras. Tomemos por exemplo os personagens Will Byers e Eleven. No grupo das crianças na primeira temporada, Will faz o papel do nerd tímido e inseguro que apresenta problemas para se defender e expressar sua opinião. Ele também é o primeiro personagem a ser abduzido/sequestrado/teletransportado para o Mundo Invertido pelo Demogorgon. E é no Mundo Invertido onde ele passa basicamente toda a primeira temporada até finalmente ser resgatado. Mas é claro que o tempo passado lá dentro e o contato como Demogorgon criaram uma relação perigosíssima entre o garoto e os monstros do Mundo Invertido e afetaram por completo sua vida daí em diante.

Do outro lado da situação, temos Eleven, uma garotinha que desde muito pequena possui poderes telecinéticos e um contato especial com o Mundo Invertido, razão pela qual o pai dela a usou em inúmeros testes científicos para tentar estabelecer um contato duradouro nesse outro mundo e usar seu poder em benefício próprio. Pelo menos até o Demogorgon sair matando todo mundo, ocasionando a escapada de Eleven que, pela primeira vez em sua vida, poderia viver em um mundo considerado "normal", mesmo que seus poderes sejam um grande empecilho para ela conseguir desfrutar essa normalidade.

Para esses dois personagens, crescer como pessoas normais se tornou praticamente impossível desde o começo da série. Não só porque a cidade onde moram foi afetada por uma série de acontecimentos paranormais, mas também porque eles próprios foram severa e pessoalmente afetados por esses acontecimentos. No caso deles, estamos falando de contato direto com o que quer que exista do outro lado. Estamos falando de poderes telecinéticos e de abdução. É praticamente impossível retornar ao "normal" depois disso. Sempre que algo estranho acontecer em Hawkins, os dois serão praticamente arrastados para o meio de tudo por causa desse contato que já possuíram.

CRESCENDO EM UM MUNDO DE MONSTROS

Não dá para a série fingir que os acontecimentos não afetam a maneira que as crianças veem o mundo. Filmes podem, em geral, evitar tocar nesse assunto ao simplesmente terminar no momento em que a ameaça se esvai, sem abordar a maneira como ela vai afetar o restante da vida das pessoas e, principalmente, das crianças envolvidas. Em alguns casos, eles até tocam nesse assunto, mesmo que sucintamente, como é o caso de Conta Comigo. Em Stranger Things, entretanto, essa fuga é praticamente impossível. Mesmo que não seja mostrado como a vida adulta do grupo de crianças vai ser alterada pelos eventos de sua infância, a cada temporada somos apresentados às consequências de suas últimas aventuras.

Já foi mencionado acima como o contato imediato afeta Will e Eleven, mas praticamente todos ao redor deles também sofrem algum tipo de trauma, talvez menos intenso, mas ainda assim aparente em toda a série. Joyce Byers, mãe do Will é clara e extremamente afetada pelo desaparecimento do filho e pela maneira como este retorna, e o mesmo pode ser dito do irmão dele, Jonathan. Nancy sofre e sente a necessidade de encontrar justiça por sua amiga Barb na segunda temporada. Mike, Lucas e Dustin sentem pesadamente o desaparecimento do amigo Will e a dificuldade em integrar Eleven ao grupo. Mais especificamente nas crianças, esse tipo de acontecimento será marcante em suas vidas e com certeza servirá para moldá-las de alguma maneira.

Esse tipo de efeito nos personagens, apesar de deduzível na maioria dos filmes também, não chega a ser mostrado. E.t. - O Extraterrestre e Super 8, por exemplo, não chegam a retratar como os acontecimentos da trama afetarão seus personagens no futuro. It - A Coisa chega próximo a isso com a ideia de mostrar os mesmos personagens como crianças e como adultos, mas empaca na questão de que os traumas vividos por eles quando pequenos são esquecidos no momento em que eles saem da cidade, não causando muitos efeitos na vida que levam daí em diante. Stranger Things, talvez justamente por ser uma série, tem mais espaço para mostrar esses efeitos, se não ao longo dos anos, ao menos no curto prazo. Não se trata de uma série que mostra as consequências das situações quando as crianças atingem a maioridade, mas como esses traumas afetam o dia-a-dia de um grupo de adolescentes que ainda está se desenvolvendo e amadurecendo. Amadurecimento esse que é notável de uma temporada para a outra, e que se vê claramente afetado pelos horrores estranhos que eles enfrentam.

Amadurecimento durante a infância é um tema difícil que encontra bastante abertura em séries e filmes sobre fantasia e ficção. Seja o simples lidar com um trauma até o enfrentamento de monstros terríveis, o crescimento de personagens jovens é colocado ao lado dessas ideias fantásticas e é recebido pelo público de uma forma um pouco mais discreta. Podemos não perceber isso, ou não discutir esse tópico em todas as conversas sobre a série, mas em uma pordução como Stranger Things, em meio à nossa admiração pelos monstros e poderes, não temos como não notar também a mudança nos hábitos e nas reações dos personagens, e como tudo aquilo pelo que eles passam afeta profundamente sua maneira de ver o mundo.

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