Crítica

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TÁR: A Magnum Opus de Cate Blanchett

27/1/2023

Em um filme cheio de uma tensão psicológica e análises sobre a sociedade atual e a cultura do cancelamento, Cate Blanchett deslumbra na melhor atuação de sua carreira e domina toda a história e a maneira como ela é contada.

escrito por
Luis Henrique Franco

Em um filme cheio de uma tensão psicológica e análises sobre a sociedade atual e a cultura do cancelamento, Cate Blanchett deslumbra na melhor atuação de sua carreira e domina toda a história e a maneira como ela é contada.

escrito por
Luis Henrique Franco
27/1/2023

No contexto geral de sua história, Tár pode ser descrito como um filme desafiador: além de mergulhar profundamente no mundo da música clássica, abordando ilustres compositores e seu papel para a sociedade e a cultura atual, também é um longa que se dispõe a analisar e criticar a chamada "cultura do cancelamento" atual, buscando fazer isso de uma maneira também bastante profunda e que não abra espaço para interpretações errôneas sobre o que está querendo transmitir. Assumir tal papel já seria extremamente difícil, mas Cate Blanchett não só aceita esse desafio, como também o enriquece com sua interpretação magnânima de Lydia Tár.

O filme não perde tempo em estabelecer a real natureza de sua protagonista. Logo na primeira cena, somos introduzidos a Lydia em uma entrevista para o The New Yorker, onde são listadas todas as suas conquistas, sua formação exemplar, o fato de ter se tornado a primeira regente mulher na Orquestra de Berlim, entre outros infinitos sucessos. Nessa mesma entrevista, são também ressaltados seu conhecimento e inteligência sobre a música clássica, mas também algumas posições polêmicas da regente sobre o tema. Posições que se tornam ainda mais claras durante uma aula por ela administrada, em que ela se envolve em uma feroz discussão com um de seus alunos, que se identifica como pansexual BIPOC, a respeito de como grandes compositores do passado são vistos hoje em dia mais por seus comportamentos do que por sua música.

O público não é enganado nem por um momento: Lydia Tár é uma pessoa de extremo talento e ambição, mas também uma mulher mais conservadora e que não defende posicionamentos sociais das novas gerações, mesmo sendo uma mulher lésbica em um ambiente que ela mesma reconhece como dominado por homens brancos. Ela não parece se importar com tais questões e até ridiculariza aqueles que resumem seus pontos de vista a elas. Mas, ao mesmo tempo, existe um lado dela que é extremamente comovente, mostrando seu carinho pela filha, sua dedicação ao trabalho, sua visão única da música. É um contraste de extremo conflito entre esses dois lados, que não impede o público de apontar os defeitos da protagonista e de cobrar uma punição por suas ações, mas que alimenta uma certa simpatia pela personagem.

Tár abraça sua esposa Sharon

Blanchett navega entre esses dois extremos com impecabilidade. É quase inumano o seu retrato da regente, dominando e controlando cada momento, demonstrando um escopo enorme de emoções sem a necessidade de explosões a todo o instante, sabendo medir exatamente o que sua personagem deve fazer e demonstrar em cada cena, de forma que nada falta em sua composição. Seu trabalho garante ao filme uma riqueza muito maior e lhe confere realismo a um nível assustador. Lydia Tár se torna uma pessoa real com o decorrer das cenas e nos esquecemos de que ela é inteiramente ficcional. É esse o tamanho do poder de uma performance que não só se torna um dos pilares centrais do filme, mas a sua melhor parte.

Conhecida por sua gama de grandes atuações, é possível dizer que mesmo uma atriz com tamanho histórico nunca tenha demonstrado uma atuação tão forte quanto essa. Blanchett combina os momentos de tensão com a natureza mais reservada de sua personagem, fazendo com que a sua tensão pessoal se eleve na mesma progressão que o filme e tornando suas reações muito mais naturais porque acompanham o desenvolvimento da história. Com todos os seus pontos positivos, Tár se eleva a um patamar absurdo por causa de sua atuação, e é Blanchett quem dita o andamento da trama, no que sem dúvida é a sua maior atuação até agora.

Um trabalho que se torna ainda mais difícil pela natureza do próprio filme. Isso porque Tár não é o tipo de filme feito para o grande público. Um drama com um ritmo mais lento e com uma tensão que notoriamente se desenvolve, mas em uma progressão sem nenhum momento de grande explosão, esse é um longa que poderia facilmente cansar o expectador, mesmo que de fato possua uma história envolvente. Iniciando com o desejo de Tár de reger a Quinta Sinfonia de Mahler, o filme aborda os primeiros ensaios da regente com sua orquestra e, aos poucos, vai sutilmente colocando os pontos de conflito que culminarão no problema central e no clímax da história. Esses elementos, contudo, são colocados na trama sem nenhum furor, com extrema naturalidade. O público percebe sua presença, mas sua inserção não compromete de imediato o andamento inicial da trama até que seu impacto chega, não sem nenhum aviso, mas com uma força maior do que esperávamos.

Consciente dos temas que trata, Todd Field possui uma mão muito hábil para lidar com seu roteiro e direção. Ao estabelecer os pontos de conflito e o caráter problemático da protagonista dessa maneira mais sutil, ele realça o quanto comportamentos tóxicos e assédios podem passar extremamente desapercebidos durante boa parte da vida, até que seu acúmulo começa a ser exposto. A narrativa marca esses momentos de tensão na vida de Tár e retrata desde seu comportamento tóxico como professora até suas atitudes deploráveis, favorecendo músicos por interesse pessoal e beneficiando pessoas próximas em detrimento de outros mais competentes.

Lydia Tár acaricia o rosto da nova violoncelista da orquestra

Tár atinge um ponto bastante limiar em sua discussão. É ao mesmo tempo uma reflexão e uma homenagem aos grandes nomes da música clássica e uma crítica a respeito do comportamento abusivo de muitas celebridades no ramo da arte. Além disso, é uma trama tão bem construída que consegue assumir uma defesa das punições aplicadas a essas pessoas, ao mesmo tempo deixa muitos aspectos em aberto para plantar uma certa dúvida a respeito do que ocorreu de fato. Uma postura sem dúvida perigosa, mas que rende uma importante reflexão para os dias atuais. Tudo isso coroado por uma atuação como nenhuma outra por parte de Cate Blanchett, sem dúvida o melhor trabalho de sua carreira até então.

Lydia Tár enquanto rege a sua orquestra

EXPECTATIVAS PARA O OSCAR

Indicações: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia e Melhor Edição.

Tár é sem dúvida uma das melhores surpresas desse Oscar. Mesmo que não seja o longa com mais indicações, é sem dúvida um dos mais fortes concorrentes em cada uma das categorias que conquistou. Possivelmente as menos chamativas sejam justamente nas categorias mais técnicas. Tanto a edição quanto a fotografia do filme são bastante sóbrias e trabalham para realçar ainda mais a figura da protagonista. São, contudo, categorias nas quais o filme talvez não chame tanta atenção quanto seus concorrentes. Um forte oponente, mas não o favorito.

A situação é um pouco mais favorável nos quesitos de Roteiro e Direção. Todd Field mostrou de fato um trabalho excelente pela forma como conduziu seu filme. Sua narrativa mais lenta, mas sempre em uma toada crescente, é perfeita para manter o expectador imerso no filme sem a necessidade de momentos explosivos, conduzindo apenas pela sua maestria em coordenar uma trama sutil e sugestiva ao mesmo tempo. E a direção segue esse mesmo preceito, reconhecendo a necessidade de tensão em determinadas cenas ao mesmo tempo em que permite um andamento mais lento e controlado, demonstrando um ótimo domínio de Field sobre o ritmo de sua obra. Ambos os aspectos trabalham juntos para um ótimo desenvolvimento, que culmina em um clímax catártico e de enorme impacto para o espectador. Novamente, talvez não seja o favorito nas categorias, mas certamente surge como um competidor mais forte e um adversário a se considerar em ambas.

Ldia Tár tenta trabalhar em sua nova composição em seu escritório.

E relação a Melhor Filme, é difícil prever. Tár certamente é melhor do que a maioria dos seus competidores, mas pode perder um pouco a chance por não ser um filme tão chamativo para o grande público. Sua limitação nesse aspecto não é um mal por si só, mas certamente coloca o filme em uma posição de menor notoriedade. Contudo, a Academia adora suas surpresas, e nesse quesito, Tár é talvez a mais bem-vinda delas, com uma história e uma personagem que certamente merecem ser reconhecidos e aplaudidos.

O maior triunfo do filme, porém, é a sua atriz principal, e não há dúvidas do motivo para Cate Blanchett ser a favorita esse ano. A atriz se adequa à proposta do filme e a enriquece, transformando o filme em sua obra pessoal, uma trama comandada por ela em todos os sentidos, na qual até mesmo seus momentos mais sucintos evocam grande força e emoção e conquistam o público até em seus diálogos mais simples, de tão cuidadosos e atenciosos que eles são. A competição esse ano certamente é talentosa, mas mesmo a melhor das outras atrizes dificilmente deve tirar de Blanchett o seu mais que merecido terceiro Oscar.

Cate Blanchett como Lydia Tár
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TÁR

TÁR

Direção: 
Criação:
Roteirista 1
Roteirista 2
Roteirista 3
Diretor 1
Diretor 2
Diretor 3
Elenco Principal:
Ator 1
Ator 2
Ator 3
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Em um filme cheio de uma tensão psicológica e análises sobre a sociedade atual e a cultura do cancelamento, Cate Blanchett deslumbra na melhor atuação de sua carreira e domina toda a história e a maneira como ela é contada.

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Luis Henrique Franco
27/1/2023

No contexto geral de sua história, Tár pode ser descrito como um filme desafiador: além de mergulhar profundamente no mundo da música clássica, abordando ilustres compositores e seu papel para a sociedade e a cultura atual, também é um longa que se dispõe a analisar e criticar a chamada "cultura do cancelamento" atual, buscando fazer isso de uma maneira também bastante profunda e que não abra espaço para interpretações errôneas sobre o que está querendo transmitir. Assumir tal papel já seria extremamente difícil, mas Cate Blanchett não só aceita esse desafio, como também o enriquece com sua interpretação magnânima de Lydia Tár.

O filme não perde tempo em estabelecer a real natureza de sua protagonista. Logo na primeira cena, somos introduzidos a Lydia em uma entrevista para o The New Yorker, onde são listadas todas as suas conquistas, sua formação exemplar, o fato de ter se tornado a primeira regente mulher na Orquestra de Berlim, entre outros infinitos sucessos. Nessa mesma entrevista, são também ressaltados seu conhecimento e inteligência sobre a música clássica, mas também algumas posições polêmicas da regente sobre o tema. Posições que se tornam ainda mais claras durante uma aula por ela administrada, em que ela se envolve em uma feroz discussão com um de seus alunos, que se identifica como pansexual BIPOC, a respeito de como grandes compositores do passado são vistos hoje em dia mais por seus comportamentos do que por sua música.

O público não é enganado nem por um momento: Lydia Tár é uma pessoa de extremo talento e ambição, mas também uma mulher mais conservadora e que não defende posicionamentos sociais das novas gerações, mesmo sendo uma mulher lésbica em um ambiente que ela mesma reconhece como dominado por homens brancos. Ela não parece se importar com tais questões e até ridiculariza aqueles que resumem seus pontos de vista a elas. Mas, ao mesmo tempo, existe um lado dela que é extremamente comovente, mostrando seu carinho pela filha, sua dedicação ao trabalho, sua visão única da música. É um contraste de extremo conflito entre esses dois lados, que não impede o público de apontar os defeitos da protagonista e de cobrar uma punição por suas ações, mas que alimenta uma certa simpatia pela personagem.

Tár abraça sua esposa Sharon

Blanchett navega entre esses dois extremos com impecabilidade. É quase inumano o seu retrato da regente, dominando e controlando cada momento, demonstrando um escopo enorme de emoções sem a necessidade de explosões a todo o instante, sabendo medir exatamente o que sua personagem deve fazer e demonstrar em cada cena, de forma que nada falta em sua composição. Seu trabalho garante ao filme uma riqueza muito maior e lhe confere realismo a um nível assustador. Lydia Tár se torna uma pessoa real com o decorrer das cenas e nos esquecemos de que ela é inteiramente ficcional. É esse o tamanho do poder de uma performance que não só se torna um dos pilares centrais do filme, mas a sua melhor parte.

Conhecida por sua gama de grandes atuações, é possível dizer que mesmo uma atriz com tamanho histórico nunca tenha demonstrado uma atuação tão forte quanto essa. Blanchett combina os momentos de tensão com a natureza mais reservada de sua personagem, fazendo com que a sua tensão pessoal se eleve na mesma progressão que o filme e tornando suas reações muito mais naturais porque acompanham o desenvolvimento da história. Com todos os seus pontos positivos, Tár se eleva a um patamar absurdo por causa de sua atuação, e é Blanchett quem dita o andamento da trama, no que sem dúvida é a sua maior atuação até agora.

Um trabalho que se torna ainda mais difícil pela natureza do próprio filme. Isso porque Tár não é o tipo de filme feito para o grande público. Um drama com um ritmo mais lento e com uma tensão que notoriamente se desenvolve, mas em uma progressão sem nenhum momento de grande explosão, esse é um longa que poderia facilmente cansar o expectador, mesmo que de fato possua uma história envolvente. Iniciando com o desejo de Tár de reger a Quinta Sinfonia de Mahler, o filme aborda os primeiros ensaios da regente com sua orquestra e, aos poucos, vai sutilmente colocando os pontos de conflito que culminarão no problema central e no clímax da história. Esses elementos, contudo, são colocados na trama sem nenhum furor, com extrema naturalidade. O público percebe sua presença, mas sua inserção não compromete de imediato o andamento inicial da trama até que seu impacto chega, não sem nenhum aviso, mas com uma força maior do que esperávamos.

Consciente dos temas que trata, Todd Field possui uma mão muito hábil para lidar com seu roteiro e direção. Ao estabelecer os pontos de conflito e o caráter problemático da protagonista dessa maneira mais sutil, ele realça o quanto comportamentos tóxicos e assédios podem passar extremamente desapercebidos durante boa parte da vida, até que seu acúmulo começa a ser exposto. A narrativa marca esses momentos de tensão na vida de Tár e retrata desde seu comportamento tóxico como professora até suas atitudes deploráveis, favorecendo músicos por interesse pessoal e beneficiando pessoas próximas em detrimento de outros mais competentes.

Lydia Tár acaricia o rosto da nova violoncelista da orquestra

Tár atinge um ponto bastante limiar em sua discussão. É ao mesmo tempo uma reflexão e uma homenagem aos grandes nomes da música clássica e uma crítica a respeito do comportamento abusivo de muitas celebridades no ramo da arte. Além disso, é uma trama tão bem construída que consegue assumir uma defesa das punições aplicadas a essas pessoas, ao mesmo tempo deixa muitos aspectos em aberto para plantar uma certa dúvida a respeito do que ocorreu de fato. Uma postura sem dúvida perigosa, mas que rende uma importante reflexão para os dias atuais. Tudo isso coroado por uma atuação como nenhuma outra por parte de Cate Blanchett, sem dúvida o melhor trabalho de sua carreira até então.

Lydia Tár enquanto rege a sua orquestra

EXPECTATIVAS PARA O OSCAR

Indicações: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia e Melhor Edição.

Tár é sem dúvida uma das melhores surpresas desse Oscar. Mesmo que não seja o longa com mais indicações, é sem dúvida um dos mais fortes concorrentes em cada uma das categorias que conquistou. Possivelmente as menos chamativas sejam justamente nas categorias mais técnicas. Tanto a edição quanto a fotografia do filme são bastante sóbrias e trabalham para realçar ainda mais a figura da protagonista. São, contudo, categorias nas quais o filme talvez não chame tanta atenção quanto seus concorrentes. Um forte oponente, mas não o favorito.

A situação é um pouco mais favorável nos quesitos de Roteiro e Direção. Todd Field mostrou de fato um trabalho excelente pela forma como conduziu seu filme. Sua narrativa mais lenta, mas sempre em uma toada crescente, é perfeita para manter o expectador imerso no filme sem a necessidade de momentos explosivos, conduzindo apenas pela sua maestria em coordenar uma trama sutil e sugestiva ao mesmo tempo. E a direção segue esse mesmo preceito, reconhecendo a necessidade de tensão em determinadas cenas ao mesmo tempo em que permite um andamento mais lento e controlado, demonstrando um ótimo domínio de Field sobre o ritmo de sua obra. Ambos os aspectos trabalham juntos para um ótimo desenvolvimento, que culmina em um clímax catártico e de enorme impacto para o espectador. Novamente, talvez não seja o favorito nas categorias, mas certamente surge como um competidor mais forte e um adversário a se considerar em ambas.

Ldia Tár tenta trabalhar em sua nova composição em seu escritório.

E relação a Melhor Filme, é difícil prever. Tár certamente é melhor do que a maioria dos seus competidores, mas pode perder um pouco a chance por não ser um filme tão chamativo para o grande público. Sua limitação nesse aspecto não é um mal por si só, mas certamente coloca o filme em uma posição de menor notoriedade. Contudo, a Academia adora suas surpresas, e nesse quesito, Tár é talvez a mais bem-vinda delas, com uma história e uma personagem que certamente merecem ser reconhecidos e aplaudidos.

O maior triunfo do filme, porém, é a sua atriz principal, e não há dúvidas do motivo para Cate Blanchett ser a favorita esse ano. A atriz se adequa à proposta do filme e a enriquece, transformando o filme em sua obra pessoal, uma trama comandada por ela em todos os sentidos, na qual até mesmo seus momentos mais sucintos evocam grande força e emoção e conquistam o público até em seus diálogos mais simples, de tão cuidadosos e atenciosos que eles são. A competição esse ano certamente é talentosa, mas mesmo a melhor das outras atrizes dificilmente deve tirar de Blanchett o seu mais que merecido terceiro Oscar.

Cate Blanchett como Lydia Tár

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Em um filme cheio de uma tensão psicológica e análises sobre a sociedade atual e a cultura do cancelamento, Cate Blanchett deslumbra na melhor atuação de sua carreira e domina toda a história e a maneira como ela é contada.

escrito por
Luis Henrique Franco
27/1/2023
nascimento

Em um filme cheio de uma tensão psicológica e análises sobre a sociedade atual e a cultura do cancelamento, Cate Blanchett deslumbra na melhor atuação de sua carreira e domina toda a história e a maneira como ela é contada.

escrito por
Luis Henrique Franco
27/1/2023

No contexto geral de sua história, Tár pode ser descrito como um filme desafiador: além de mergulhar profundamente no mundo da música clássica, abordando ilustres compositores e seu papel para a sociedade e a cultura atual, também é um longa que se dispõe a analisar e criticar a chamada "cultura do cancelamento" atual, buscando fazer isso de uma maneira também bastante profunda e que não abra espaço para interpretações errôneas sobre o que está querendo transmitir. Assumir tal papel já seria extremamente difícil, mas Cate Blanchett não só aceita esse desafio, como também o enriquece com sua interpretação magnânima de Lydia Tár.

O filme não perde tempo em estabelecer a real natureza de sua protagonista. Logo na primeira cena, somos introduzidos a Lydia em uma entrevista para o The New Yorker, onde são listadas todas as suas conquistas, sua formação exemplar, o fato de ter se tornado a primeira regente mulher na Orquestra de Berlim, entre outros infinitos sucessos. Nessa mesma entrevista, são também ressaltados seu conhecimento e inteligência sobre a música clássica, mas também algumas posições polêmicas da regente sobre o tema. Posições que se tornam ainda mais claras durante uma aula por ela administrada, em que ela se envolve em uma feroz discussão com um de seus alunos, que se identifica como pansexual BIPOC, a respeito de como grandes compositores do passado são vistos hoje em dia mais por seus comportamentos do que por sua música.

O público não é enganado nem por um momento: Lydia Tár é uma pessoa de extremo talento e ambição, mas também uma mulher mais conservadora e que não defende posicionamentos sociais das novas gerações, mesmo sendo uma mulher lésbica em um ambiente que ela mesma reconhece como dominado por homens brancos. Ela não parece se importar com tais questões e até ridiculariza aqueles que resumem seus pontos de vista a elas. Mas, ao mesmo tempo, existe um lado dela que é extremamente comovente, mostrando seu carinho pela filha, sua dedicação ao trabalho, sua visão única da música. É um contraste de extremo conflito entre esses dois lados, que não impede o público de apontar os defeitos da protagonista e de cobrar uma punição por suas ações, mas que alimenta uma certa simpatia pela personagem.

Tár abraça sua esposa Sharon

Blanchett navega entre esses dois extremos com impecabilidade. É quase inumano o seu retrato da regente, dominando e controlando cada momento, demonstrando um escopo enorme de emoções sem a necessidade de explosões a todo o instante, sabendo medir exatamente o que sua personagem deve fazer e demonstrar em cada cena, de forma que nada falta em sua composição. Seu trabalho garante ao filme uma riqueza muito maior e lhe confere realismo a um nível assustador. Lydia Tár se torna uma pessoa real com o decorrer das cenas e nos esquecemos de que ela é inteiramente ficcional. É esse o tamanho do poder de uma performance que não só se torna um dos pilares centrais do filme, mas a sua melhor parte.

Conhecida por sua gama de grandes atuações, é possível dizer que mesmo uma atriz com tamanho histórico nunca tenha demonstrado uma atuação tão forte quanto essa. Blanchett combina os momentos de tensão com a natureza mais reservada de sua personagem, fazendo com que a sua tensão pessoal se eleve na mesma progressão que o filme e tornando suas reações muito mais naturais porque acompanham o desenvolvimento da história. Com todos os seus pontos positivos, Tár se eleva a um patamar absurdo por causa de sua atuação, e é Blanchett quem dita o andamento da trama, no que sem dúvida é a sua maior atuação até agora.

Um trabalho que se torna ainda mais difícil pela natureza do próprio filme. Isso porque Tár não é o tipo de filme feito para o grande público. Um drama com um ritmo mais lento e com uma tensão que notoriamente se desenvolve, mas em uma progressão sem nenhum momento de grande explosão, esse é um longa que poderia facilmente cansar o expectador, mesmo que de fato possua uma história envolvente. Iniciando com o desejo de Tár de reger a Quinta Sinfonia de Mahler, o filme aborda os primeiros ensaios da regente com sua orquestra e, aos poucos, vai sutilmente colocando os pontos de conflito que culminarão no problema central e no clímax da história. Esses elementos, contudo, são colocados na trama sem nenhum furor, com extrema naturalidade. O público percebe sua presença, mas sua inserção não compromete de imediato o andamento inicial da trama até que seu impacto chega, não sem nenhum aviso, mas com uma força maior do que esperávamos.

Consciente dos temas que trata, Todd Field possui uma mão muito hábil para lidar com seu roteiro e direção. Ao estabelecer os pontos de conflito e o caráter problemático da protagonista dessa maneira mais sutil, ele realça o quanto comportamentos tóxicos e assédios podem passar extremamente desapercebidos durante boa parte da vida, até que seu acúmulo começa a ser exposto. A narrativa marca esses momentos de tensão na vida de Tár e retrata desde seu comportamento tóxico como professora até suas atitudes deploráveis, favorecendo músicos por interesse pessoal e beneficiando pessoas próximas em detrimento de outros mais competentes.

Lydia Tár acaricia o rosto da nova violoncelista da orquestra

Tár atinge um ponto bastante limiar em sua discussão. É ao mesmo tempo uma reflexão e uma homenagem aos grandes nomes da música clássica e uma crítica a respeito do comportamento abusivo de muitas celebridades no ramo da arte. Além disso, é uma trama tão bem construída que consegue assumir uma defesa das punições aplicadas a essas pessoas, ao mesmo tempo deixa muitos aspectos em aberto para plantar uma certa dúvida a respeito do que ocorreu de fato. Uma postura sem dúvida perigosa, mas que rende uma importante reflexão para os dias atuais. Tudo isso coroado por uma atuação como nenhuma outra por parte de Cate Blanchett, sem dúvida o melhor trabalho de sua carreira até então.

Lydia Tár enquanto rege a sua orquestra

EXPECTATIVAS PARA O OSCAR

Indicações: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia e Melhor Edição.

Tár é sem dúvida uma das melhores surpresas desse Oscar. Mesmo que não seja o longa com mais indicações, é sem dúvida um dos mais fortes concorrentes em cada uma das categorias que conquistou. Possivelmente as menos chamativas sejam justamente nas categorias mais técnicas. Tanto a edição quanto a fotografia do filme são bastante sóbrias e trabalham para realçar ainda mais a figura da protagonista. São, contudo, categorias nas quais o filme talvez não chame tanta atenção quanto seus concorrentes. Um forte oponente, mas não o favorito.

A situação é um pouco mais favorável nos quesitos de Roteiro e Direção. Todd Field mostrou de fato um trabalho excelente pela forma como conduziu seu filme. Sua narrativa mais lenta, mas sempre em uma toada crescente, é perfeita para manter o expectador imerso no filme sem a necessidade de momentos explosivos, conduzindo apenas pela sua maestria em coordenar uma trama sutil e sugestiva ao mesmo tempo. E a direção segue esse mesmo preceito, reconhecendo a necessidade de tensão em determinadas cenas ao mesmo tempo em que permite um andamento mais lento e controlado, demonstrando um ótimo domínio de Field sobre o ritmo de sua obra. Ambos os aspectos trabalham juntos para um ótimo desenvolvimento, que culmina em um clímax catártico e de enorme impacto para o espectador. Novamente, talvez não seja o favorito nas categorias, mas certamente surge como um competidor mais forte e um adversário a se considerar em ambas.

Ldia Tár tenta trabalhar em sua nova composição em seu escritório.

E relação a Melhor Filme, é difícil prever. Tár certamente é melhor do que a maioria dos seus competidores, mas pode perder um pouco a chance por não ser um filme tão chamativo para o grande público. Sua limitação nesse aspecto não é um mal por si só, mas certamente coloca o filme em uma posição de menor notoriedade. Contudo, a Academia adora suas surpresas, e nesse quesito, Tár é talvez a mais bem-vinda delas, com uma história e uma personagem que certamente merecem ser reconhecidos e aplaudidos.

O maior triunfo do filme, porém, é a sua atriz principal, e não há dúvidas do motivo para Cate Blanchett ser a favorita esse ano. A atriz se adequa à proposta do filme e a enriquece, transformando o filme em sua obra pessoal, uma trama comandada por ela em todos os sentidos, na qual até mesmo seus momentos mais sucintos evocam grande força e emoção e conquistam o público até em seus diálogos mais simples, de tão cuidadosos e atenciosos que eles são. A competição esse ano certamente é talentosa, mas mesmo a melhor das outras atrizes dificilmente deve tirar de Blanchett o seu mais que merecido terceiro Oscar.

Cate Blanchett como Lydia Tár

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